Fialho, sem vocação para outra cozinha que não seja a tradicional
Recuperamos um artigo publicado em 2010 e assinado pelo jornalista de gastronomia David Lopes Ramos. A história do restaurante-instituição, a partir do livro Fialho — Gastronomia Alentejana. Manuel Fialho, um dos filhos do fundador, morreu esta quarta-feira.
O Fialho, de Évora, é um dos raríssimos restaurantes-instituição existentes em Portugal. Sempre localizado na Travessa dos Mascarenhas, fundado por Manuel Fialho (1903-1977), pai dos actuais proprietários, Amor, Gabriel e Manuel, o famoso restaurante foi sucessivamente taberna, casa de comes e bebes, casa de pasto e cervejaria.
Manuel Fialho, que começou a trabalhar aos dez anos, como mandarete, numa sociedade de recreio eborense, foi depois operário numa fábrica de cortiça, ainda em Évora, rumando nos anos 20 para o Estoril, onde foi empregado de mesa. Em 1934, regressa a Évora, já casado com Teodósia Augusta Amaral, nascendo nesse ano o primeiro filho de ambos, Amor da Ressurreição.
Em 1944-45, após ter trabalhado em vários estabelecimentos hoteleiros de Évora, entre os quais o famoso Café Arcada, da Praça do Giraldo, onde foi chefe de mesa, Manuel Fialho estabeleceu-se por conta própria na taberna do Hermógenes, rebaptizada como casa de “comes e bebes”. O fundador do Fialho gostava de cozinhar e tinha um lema para a sua casa, que até então se limitara a vender copos de vinho aos operários das fábricas vizinhas: “Para beber, há que comer.”
Após um curto intervalo em que abandonou a casa da Travessa dos Mascarenhas pelo Café Camões, Manuel Fialho regressou à adega, mas com novos planos: transformá-la numa casa de pasto.
Remodelou-a, dotando-a com uma sala de refeições e três gabinetes particulares e contratou uma cozinheira famosa em Évora, Jacinta da Rosa Moisés, até então à frente dos fogões de um restaurante muito conhecido na cidade, o Gião. Na ementa, traço que ainda hoje se mantém, mas em instalações entretanto profundamente remodeladas e ampliadas, em 1965, pelo arquitecto Rui Couto, brilham os petiscos e os pratos, bem como a doçaria, mais representativos da cozinha regional.
Depois de todos estes anos de uma história rica, muito bem contada por Alberto Franco no livro, mais que justificado, Fialho — Gastronomia Alentejana, com fotografias de José Manuel Rodrigues (editora althum), é com candura que Gabriel Fialho, há muito responsável pela cozinha da casa, pode dizer: “Respeitamos muito as novas tendências, mas não temos vocação para outra culinária que não seja a tradicional. Sempre a praticámos e assim continuaremos.”
Quanto ao futuro, ele está assegurado por Helena Moreira, filha de Gabriel, que já leva anos a trabalhar no restaurante, depois de um curso na Escola Superior de Hotelaria do Estoril: “Quando se menciona o nome dos Fialho, espera-se sempre o melhor”.
A fasquia está sempre muito elevada, por isso temos que defender o nosso nome continuamente. Não podemos falhar. (...) Os meus familiares fizeram do restaurante uma referência a nível nacional. Falar no Fialho é falar em gastronomia alentejana, em cozinha regional de qualidade. Seguiram o rumo certo, e que a meu ver deve ser mantido.”
Olhando para o Fialho por outro prisma, Henrique Granadeiro, presidente do Conselho de Administração da Portugal Telecom, cliente da casa e amigo dos seus proprietários, num inspirado prefácio, conclui: “A história do Fialho, que agora é contada em letra de forma para testemunho dos vindouros, é uma bela lição de coragem e um caso exemplar de visão estratégica. Uma história construída por um homem simples e uma mulher dedicada, que souberam interpretar para além da espuma dos dias o sentido do futuro. Mas é também um admirável caso de afectos: o afecto que uniu pais e filhos num projecto comum. Projecto que sobreviveu aos fundadores e se projectou em novos espaços de um universo cada vez mais vasto — mercê da harmonia invulgar que uniu três irmãos, que ao projecto inicial acrescentaram o seu contributo e criaram um património que os transcende.”
