Morreu Osvaldo Payá, o pacifista católico que lançou o Projecto Varela

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Paya presidiu ao Movimento Cristão de Libertação Adalberto Roque/AFP

Segundo uma das suas três filhas, Rosa María Payá, em declarações ao canal em língua espanhola da CNN, o carro em que o pai seguia em La Gavina, perto de Bayamo, foi atirado para fora da estrada por outro veículo. Embateu numa árvore, matando não só Osvaldo Payá, mas outro dissidente cubano, Harold Cepedo.

"Pensamos que não se tratou de um acidente. Queriam fazer-lhe mal e mataram-no", disse Rosa Payá. Outras duas pessoas que seguiam na viatura, que era alugada, o espanhol Ángel Carromero, e o sueco Jens Modig, sobreviveram. Têm apenas ferimentos ligeiros e serão eles a esclarecer o que se passou, encerrando a polémica ou acendendo protestos. Ambos de 27 anos, os sobreviventes pertencem, respectivamente, às juventudes partidárias do Partido Popular e da Democracia Cristã.

Enquanto se espera, o irmão do dissidente, Carlos Payá, exilado em Madrid, disse ao jornal El País que Osvaldo fora ameaçado várias vezes: "Disseram-lhe muitas vezes que o iam matar."

Testemunhas oculares, citadas pelo Centro de Imprensa Internacional cubano, confirmaram que o carro se despistou, mas não mencionaram a existência de outro veículo. O hospital de Bayamo, a 800km de Havana, para onde os corpos e os feridos foram levados, estava ontem debaixo de um "apertado aparato policial", relatava a correspondente do El País na capital cubana.

Uma vida pela democracia

"Domingo foi um dia de luto. Foi uma tragédia terrível para a família dele e uma enorme perda para o movimento de oposição (ao regime castrista). Ele dedicou anos de vida a lutar pela democracia", disse Elizardo Sánches, o porta-voz da oposição cubana.

Osvaldo Payá Sardiñas estudou Engenharia Electrónica e envolveu-se muito cedo na oposição, através dos movimentos católicos. Durante o serviço militar, e por se recusar a transportar um grupo de presos políticos, foi preso e condenado a uma pena de quatro anos em campos de trabalho, entre 1969 e 1972.

Já era um dissidente de relevo internamente. De forte formação católica, fundou o Movimento Cristão de Libertação em 1988 e, em 1992, foi o primeiro opositor a querer candidatar-se à Assembleia Nacional (o parlamento). Ganhou visibilidade internacional ao orientar o Projecto Varela, um movimento de recolha de assinaturas a pedir a realização de um referendo pela aprovação de nova legislação sobre liberdade de expressão e associação e amnistia para os presos políticos. Em Maio de 2002, e aproveitando a chegada do antigo Presidente americano Jimmy Carter à ilha, 11,020 assinaturas foram entregues no Parlamento de Havana.

Varela foi um padre católico cubano do século XIX que defendeu a independência dos países da América Latina, então dominada pela Espanha. O movimento que tem o seu nome é considerado a maior acção não violenta pela mudança do regime socialista cubano desde a Revolução de 1959, que depôs o regime do ditador Fulgencio Batista.

Em 2003, era ministro cubano dos Negócios Estrangeiros Felipe Pérez Roque, que acusou Payá de estar a ser manipulado pelos Estados Unidos da América. Payá negou - no perfil que o Miami Herald publicou, Payá é um homem muito independente, que recusou sempre a ajuda financeira proposta pelos americanos e pela dissidência na América concentrada sobretudo em Miami.

As assinaturas do Projecto Varela tiveram consequências. O Governo de Fidel Castro - o poder passou entretanto para o seu irmão Raul - lançou o seu próprio abaixo-assinado a favor da manutenção de um sistema político socialista e de esta alínea da Constituição ser irrevogável.

Prémio Sakharov 2002

Durante a Primavera Negra (o nome que a oposição deu a esse período de 2003), muitos dos 75 dissidentes detidos estavam envolvidos no Protecto Varela e no Movimento Cristão de Libertação. A grande maioria destes presos foi libertada recentemente, depois de uma mediação entre o Governo cubano e a Igreja de Roma.

Payá ganhou o Prémio Sakharov - entregue a defensores dos direitos humanos - em 2002, tendo aproveitado a autorização para sair de Cuba e ir a Bruxelas para dar um salto a Roma e se avistar com o Papa. Foi nomeado mais do que uma vez para o Prémio Nobel da Paz.

Era um homem "seguido" pela espionagem americana, como provam os telegramas divulgados em 2010 pela WikiLeaks. Datado de 2009, um desses telegramas sobre o estado da dissidência dentro da ilha diz que há rivalidade entre os diferentes grupos e que Payá é uma figura "com pouco contacto com a juventude" cuja mensagem se está a tornar "antiquada" e pouco apelativa.

Outros não têm a mesma opinião e sublinham que se tratava de uma das mais importantes figuras da defesa da transição política em Cuba (defendia um modelo semelhante ao chinês) e que era o homem que conseguia fazer a ponte entre a oposição interna e a do exílio. "Era um ser humano único e esta morte foi um grande revés para os que querem ver a democracia e o respeito pelos direitos humanos em Cuba", disse, citado pelo The Guardian, Frank Calzon, do Centro Cuba Livre de Washington.

Notícia substituída às 8h50 de 24 de Julho
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