Sociedade açoriana empobrece apesar das medidas do Governo

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O desemprego aumentou muito em relação aos números de 2011 Foto: Rui Soares

Senta-se muito direita na ponta do sofá enquanto conta a sua história. Vive há 22 anos numa casa da Câmara de Lagoa, no Sul da ilha de S. Miguel e a pouca distância do mar, pela qual paga 50 euros de renda mensal. Está casada há 23 anos e tem três filhos, mas o marido não tem ocupação certa ("faz biscates e não consegue segurar um emprego, é um "descabeçado"").

A casa está modestamente mobilizada, mas muito asseada. E há ainda uma enorme dignidade no modo como Angelina Cruz fala, sem se queixar de nada. Percebe-se que a sua vida não tem sido fácil, mas orgulha-se de viver com dignidade. "Paguei todas as minhas dívidas e o meu nome está limpo. Sei falar inglês, cozinhar e servir à mesa e faço o que posso para arranjar trabalho. Mas quando digo a minha idade..."

Como Angelina, outros 10.232 açorianos estavam inscritos em Junho nos centros de emprego da região (o PSD-Açores fala de um desemprego real na casa das 20 mil pessoas). Comparando com o mesmo mês de 2011, a subida do desemprego foi de 43,9%, embora se tenha registado uma diminuição de 2% relativamente a Maio passado. Segundo números do Instituto Nacional de Estatística (INE), a taxa de desemprego no primeiro trimestre do ano era de 13,9%, mais 4,4% do que no anterior trimestre.

O rápido agravamento da situação económica no último ano e a crise social decorrente concentram todas as atenções. "O desemprego baixou agora um pouco, mas isso não é motivo de contentamento", diz Graça Silva, coordenadora regional da CGTP-In. "O Governo avançou com medidas conjunturais, como o prolongamento dos estágios profissionais, mas não há medidas de fundo."

Além do desemprego, também os baixos salários praticados na região concorrem para tornar a situação mais difícil. A economia açoriana recuou em 2011 para os níveis de 2002, sustenta Mário Fortuna, presidente da direcção da Câmara de Comércio e Indústria dos Açores (CCIA). Em rigor, não há nada de surpreendente na actual situação, acrescenta: "A nossa realidade é muito feita à imagem do país, não é uma bolha protegida dos efeitos nacionais e internacionais. Para mais, está fortemente condicionada por um sector público que se sobrepõe em grande parte ao sector privado, muito mais do que no resto do país."

Erros regionais

O contexto "não desculpa os erros regionais", diz Mário Fortuna, que fala de "caprichos" e "luxos", investimentos vultuosos em marinas, Scut e outras obras sem "efeito multiplicativo significativo". Por onde começar para sair da crise? "É preciso reformatar muita coisa, introduzir um novo paradigma baseado no sector privado", responde o presidente da CCIA.

António Marinho, vice-presidente da bancada parlamentar do PSD, vai mais longe nas críticas à governação socialista: "O Governo dizia em Outubro de 2008 que os Açores estavam a passar ao lado da crise. A partir daí foram só más notícias." O diagnóstico é implacável: a agricultura não se expande por causa das quotas leiteiras; o turismo está em queda há muito tempo; as obras públicas estão a falhar (ver texto ao lado); e o comércio está numa situação catastrófica, com evolução negativa das vendas.

Falta acrescentar a situação da dívida pública, que António Marinho diz ser de 3300 milhões de euros (86% do PIB) de "responsabilidades plurianuais", em consonância com o cálculo a que chegou o Tribunal de Contas. "É uma factura para quem governar a seguir", sublinha.

Para convencer os açorianos e ganhar as eleições no Outono, o PSD defende um novo modelo de desenvolvimento, baseado no conceito de "região económica", que parte da realidade de cada uma das nove ilhas e as integra num espaço conjunto, uma "verdadeira região". "A ideia é criar um mercado interno forte e, em alguns casos, potenciar a exportação", diz António Marinho. "Não passa de um slogan", comenta Sérgio Ávila, vice-presidente do Governo regional dos Açores. "O PSD-Açores não conseguiu apresentar até hoje uma única proposta concreta e consistente de alternativa de actuação."

O mesmo responsável rejeita os números da dívida pública açoriana avançados pelo PSD, que apelida de "exercício criativo": "De acordo com o INE, Banco de Portugal e Eurostat, é de 690 milhões de euros. Não existe qualquer dúvida que o nível de endividamento é substancialmente inferior ao do resto do país."

A capacidade do Governo para manter o nível de investimento público e reforçar o apoio às famílias e empresas açorianas é realçada pelo socialista. "Os mecanismos de apoio permitiram minimizar os efeitos desta conjuntura adversa nos Açores", acrescenta. E a criação de emprego é a prioridade das prioridades "do Governo PS na próxima legislatura", diz Sérgio Ávila. A criação de uma Agenda para a Criação de Emprego, já apresentada publicamente, será o instrumento essencial para "reforçar as políticas activas de criação de emprego, assentes no apoio às empresas para reforçar a sua competitividade e à qualificação de emprego".

Pobreza nos Açores acima da média nacional

Os Açores tinham em 2009 a mais elevada taxa de risco de pobreza de Portugal (17,9 %). Segundo o Instituto Nacional de Estatística, essa percentagem estava três pontos acima da média nacional. A esta situação de desigualdade há que acrescentar o facto de o Rendimento Social de Inserção (RSI) só abranger "os mais pobres de entre os pobres", refere Fernando Diogo, professor da Universidade dos Açores e estudioso dos fenómenos da pobreza e a exclusão social.

Em Dezembro passado, a taxa de cobertura da população pobre era de 8,18%. É muito mais elevada do que a média do país (3,54%) porque há na região muito mais gente pobre. Um dos sinais distintivos da pobreza açoriana é não estar, tradicionalmente, associada ao desemprego. Fernando Diogo diz que ela decorre da existência de famílias numerosas, com um só salário, elevada precariedade e baixa taxa de actividade feminina. Outros aspectos importantes são os problemas causados por acidentes de trabalho e as doenças crónicas. "Nada disto é muito diferente do resto do país, mas a estrutura de emprego nos Açores potencia mais os níveis de pobreza", acrescenta o investigador. O que há de novo é o desemprego estar a "empurrar pessoas para o RSI e para o "clube dos pobres"".

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