Catalunha recusa-se a adoptar lei da educação que limita ensino do catalão
A “Lei Wert” quer que o castelhano passe a ser a língua principal em todas as escolas espanholas, mesmo nas regiões autonómicas que falem outras línguas. Da Catalunha vêm acusações de a lei ser inconstitucional.
Segundo a lei apresentada pelo ministro José Ignacio Wert - ou "Lei Wert", como se tornou conhecida -, se essas “proporções equilibradas” não forem atingidas numa escola pública das regiões autonómicas, os pais do aluno que vivam na zona respeitante a essa escola poderão inscrever o filho numa escola privada que satisfaça esses padrões. Nesse caso, as mensalidades referentes à frequência no ensino privado terão de ser custeadas pelo governo regional.
Outra novidade é que o Governo central terá o poder de coordenar uma maior proporção das matérias ensinadas. Todas as disciplinas consideradas como “principais” serão coordenadas a partir de Madrid: Matemática, Ciências Sociais, Biologia e Geologia, Física e Química, Geografia e História, Economia e Latim, enumera o El País. A lei anterior previa que o Governo central coordenasse 55% dos conteúdos ensinados pelas escolas nas regiões autónomas e 65% nas regiões centrais. Com a nova lei, estes números passam respectivamente para 65% e 75%.
Apesar de ainda ser um projecto-lei, a verdade é que a sua aprovação não é um cenário assim tão distante. O Partido Popular tem uma maioria absoluta no Parlamento espanhol, o que significa que poderá aprovar a nova lei da educação sem ter a obrigação política de ceder em algumas das suas propostas face às demandas dos outros partidos. O único órgão capaz de pôr esta lei em causa, mesmo que seja votada por uma maioria parlamentar, é o Tribunal Constitucional.
A conselheira da Educação do Governo Regional da Catalunha, Irene Rigau, declarou que “um governo da Catalunha não pode aplicar esta lei”. Para Rigau, esta representa “o maior ataque ao catalão desde 1978”, quando passou a ser constitucionalmente reconhecido como a língua principal na Catalunha. Enquanto Wert apresentava esta lei aos conselheiros da educação das regiões espanholas, Rigau abandonou a reunião antes de esta ter terminado.
O diário da Catalunha La Vanguardia escreve que Rigau acusou a nova lei da educação de não respeitar o artigo 3.º da Constituição espanhola, ao não fazer um “tratamento adequado do catalão". Rigau lamentou que Wert dê continuidade a “temas que são uma sua obsessão pessoal”, e apelou ao Conselho de Estado para que faça modificações a este projecto-lei.
Caso tal não aconteça, Rigau avança dois cenários simultâneos: o governo regional catalão levará a lei até ao Tribunal Constitucional e a sociedade e o governo catalães, crê a conselheira da Educação da região, serão favoráveis a que se evite a aplicação prática da lei.
O porta-voz do governo catalão, Francesc Homs, disse na terça-feira que o governo regional “não poupará energia nem capacidade institucional para fazer frente” à nova lei da educação.
O porta-voz parlamentar do Partido Popular, Alfonso Alonso, disse ter sabido com “surpresa” da denúncia de inconstitucionalidade da nova lei da educação. Alonso instou o governo regional catalão a “garantir os direitos de todos, e não a limitá-los, e a cumprir todas as sentenças judiciais”. Acrescentou ainda que “o Governo de Espanha tem de respeitar a lei, garantindo os direitos das pessoas em todo o território nacional”, sublinhando que “todos têm o direito a receber educação em castelhano se assim o desejarem”.
Artur Mas, presidente do Governo Regional da Catalunha, reeleito com o partido Convergência e União no dia 25 de Novembro com 31% dos votos, convocou uma reunião para a próxima quarta-feira com os representantes do Partido Socialista da Catalunha (14,43% nas eleições), da Esquerda Republicana (13,68%) e Iniciativa Catalunha Verde (9,89%). A escolha destes três partidos não é acidental: todos defendem a “imersão linguística” na Catalunha, isto é, a utilização do catalão como primeiro idioma. Por não defenderem esta linha, o Partido Popular (13%) e o Partido da Cidadania (7,6%) não foram convocados para a reunião com Mas.
“Espanholizar os alunos catalães”
O ministro da Educação espanhol está sob um intenso coro de críticas, que cresceu à medida que foram apresentadas versões provisórias da nova lei da educação em Espanha. Em Outubro, enquanto decorria a campanha eleitoral para as eleições parlamentares da Catalunha, Wert afirmou o interesse do Governo de Mariano Rajoy em “espanholizar os alunos catalães”, para que estes “sintam tanto orgulho de ser espanhóis como sentem de ser catalães”.
Wert está a ser acusado de levar esta lei para a frente por teimosia e motivações pessoais e ideológicas. Na Catalunha, essa parece ser a opinião da maioria. Várias organizações catalãs reagiram à "Lei Wert", nomeadamente a Federação de Associações de Mães e Pais de Alunos da Catalunha (FAPAC), que engloba um total de 2000 associações parentais. Num comunicado, demonstraram a sua “firme indignação e repúdio perante o projecto de lei que o ministro da Educação apresentou”, que apresenta mudanças “sem critérios pedagógicos”. Para a FAPAC, a nova lei “cria confrontação e divide a sociedade” e “é puramente um tema de ideologia”.
#Wertgonha
Como já era de esperar, a expressão da revolta catalã contra o projecto de lei para a educação em Espanha também chegou ao Twitter. A rede social de microblogging mais usada do mundo encheu-se de mensagens em catalão, e a hashtag #Wertgonya, uma mistura de "Wert" com "vergonha" em catalão, tornou-se viral.
"Sou professor do ensino secundário. Se o ministro espanhol quer que dê aulas em castelhano, terá de enviar um guarda armado até à minha aula", escreveu o utlizador do Twitter Txema Costa.
Já o jornalista do La Vanguardia Jaume Pi escreveu: "A independência já não é um capricho, é uma necessidade".
O capitão da equipa de futebol do Barcelona, Carles Puyol, também não ficou calado. Sem nenhuma mensagem em particular, deixou um tweet com a hashtag #Wertgonya.