Pelo fim da violência contra as mulheres, pela dignidade humana
A violência contra as mulheres é uma grave violação dos direitos humanos. A comunidade internacional e os governos não se podem demitir deste combate.
Todos os dias 20.000 raparigas, com menos de 18 anos, dão à luz no mundo em desenvolvimento e 603 milhões de mulheres vivem em países onde a violência doméstica não é crime. Entre 250.000 e 500.000 mulheres e raparigas foram violadas durante o genocídio no Ruanda em 1994. Sete em cada 10 mulheres no mundo relatam ter sofrido alguma forma de violência física e psíquica ao longo das suas vidas. As mulheres e raparigas contabilizam cerca de 80% das cerca de 800.000 pessoas que todos os anos são traficadas e 79% dessas mesmas mulheres serão traficadas para fins de exploração sexual. E podia ainda falar do assédio sexual, do assédio no lugar de trabalho, dos crimes de honra, dos crimes ligados ao dote, da seleção pré-natal do sexo, do femicídio. Em Portugal, dados não oficiais dão conta de três dezenas de mulheres assassinadas este ano.
O dia de hoje, Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, chama a atenção para estas violências, e para todas as outras, as evidentes e as mais perversas: as ocultas, e apela à mobilização da comunidade internacional, dos governos e da sociedade civil para o combate a este flagelo, que a diretora da ONU Mulheres chama de pandemia.
É um combate jurídico, feito através dos vários tratados internacionais que desde os anos 70 do século XX têm sido assinados e ratificados, e das leis nacionais que vão sendo adotadas e implementadas; é um combate através da educação, da alfabetização jurídica das mulheres para que estas saibam que são titulares de direitos e que os seus direitos são direitos humanos, da educação de homens e mulheres para a igualdade; é um combate cívico que pressupõe a eliminação de uma cultura patriarcal de dominação das mulheres pelos homens; é uma desocultação da realidade, um fim da invisibilidade das mulheres, uma ação em prol da dignidade de todas as pessoas.
As mulheres sofrem várias formas de violência ao longo da sua vida, desde o berço até à morte. Violências diferentes, todas igualmente graves, que têm custos desde a grosseira violação dos seus direitos humanos até às perdas de produtividade e de eficiência das sociedades, até aos custos efetivos com o tratamento das vítimas e o julgamento dos perpetradores.
Hoje gostava de me dedicar a uma destas violências, talvez por ser das mais escondidas: a maternidade na infância, a gravidez adolescente.
O relatório deste ano sobre a Situação da População Mundial, do Fundo das Nações Unidas para a População, intitulado “Maternidade na Infância: responder aos desafios na gravidez adolescente,” traça-nos um cenário de profunda violência e violação de direitos. Todos os dias 20.000 raparigas dão à luz nos países em desenvolvimento, e por ano cerca de 70.000 adolescentes morrem de causas relacionadas com a gravidez e o parto.
São raparigas que veem violado o seu direito à educação, à saúde e à autonomia. São raparigas que por não irem à escola – algumas são expulsas quando engravidam – têm poucas hipóteses de ter um emprego remunerado, menos voz nas suas famílias e comunidades, menos voz na tomada das decisões que afetam as suas próprias vidas. Como não são escolarizadas, as hipóteses de terem participação no espaço público são reduzidas, logo a probabilidade dos seus desafios e necessidades concretas serem debatidos e tratados por políticas públicas é também reduzida. Está, assim, criado um ciclo vicioso de invisibilidade e perpetuação de uma violência que é estrutural, discriminatória, geradora de pobreza.
As adolescentes que engravidam são tendencialmente de lares com fracos rendimentos e subnutridas. Para além destas, as raparigas oriundas de minorias étnicas ou grupos marginalizados, e as que não têm acesso a serviços e meios de saúde sexual e reprodutiva estão sujeitas a uma taxa de gravidez adolescente maior…
E como todos os dias morrem 200 adolescentes, a gravidez precoce resulta vezes de mais na suprema violação dos direitos, na morte.
Mas este é um diagnóstico que pode ser interrompido. O FNUAP propõe uma abordagem ecológica multinível, ou seja, recusa as terapias sectoriais.
A maternidade na infância é resultado de uma combinação de fatores, incluindo a pobreza, a aceitação pelas famílias e comunidades do casamento precoce e esforços ineficazes para manter as raparigas na escola… só quando todas estas causas forem tratadas de forma holística, numa perspetiva transectorial, teremos a possibilidade de eliminar esta violência que condena milhões de raparigas à invisibilidade, perpetuando a sua discriminação e obstaculizando o seu empoderamento.
A violência contra as mulheres é uma grave violação dos direitos humanos. A comunidade internacional e os governos não se podem demitir deste combate que permitirá resgatar a dignidade de milhões de seres humanos. É só disso que estamos a falar hoje, no dia internacional para a eliminação da violência contra as mulheres.
Deputada, membro do Comité Executivo do Fórum Europeu de Parlamentares para a População e Desenvolvimento