Que lógica tem tudo isto?
Não se compreende que o Presidente da República não tenha requerido a fiscalização preventiva das normas inconstitucionais do Orçamento do Estado de 2014.
Em primeiro lugar porque foi no início deste ano que o Presidente da República tornou clara a forma como interpreta os pedidos de fiscalização da constitucionalidade dos Orçamentos do Estado. Disse o Presidente que o fazia em função da reacção dos mercados e não pelo respeito aos princípios da Constituição que jurou cumprir e fazer cumprir. Daí ter suscitado a fiscalização sucessiva e não preventiva de algumas das normas do Orçamento do Estado para 2013. O Presidente da República teorizou aliás, sobre as vantagens de requerer a fiscalização sucessiva do Orçamento do Estado para 2014, numa Conferência de Imprensa, realizada no estrangeiro, local pouco apropriado para o efeito, ao lado do Primeiro-Ministro, na cidade do Panamá, em Outubro de 2013. Nessa altura nem sequer o Orçamento do Estado tinha sido debatido e menos aprovado na Assembleia da República.
Em segundo lugar, porque é útil termos presente, recordo, que a demissão do ministro Vítor Gaspar no início de Julho de 2013 ocorreu na sequência dum pedido de fiscalização sucessiva e não preventiva da constitucionalidade. O facto marcante é que essa fiscalização sucessiva – repito – teve impactos de 1.326 milhões de euros nas receitas do Orçamento do Estado, com consequências sérias porque avaliadas tardiamente. A essa demissão seguiu-se de imediato a "irrevogável" do Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros Paulo Portas. São conhecidas as consequências económico-financeiras deste pedido último e "irrevogável", bem como a reação que tiveram os mercados fazendo disparar os juros dos empréstimos, com a perda de dezenas de milhões de euros ao País. Todos nós pagámos e iremos pagar este comportamento.
O Presidente da República não retirou então quaisquer consequências das reacções dos mercados e no final o demissionário Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Portas, viu-se mesmo promovido a Vice-Primeiro-Ministro, ficando até com a coordenação económica com a Troika. Não se lhe conhecia esta vocação de economista.
Compreende-se assim, agora, melhor, a realização do primeiro encontro patriótico realizado no dia 30 de Maio de 2013, na Aula Magna da Universidade de Lisboa sob o tema: Libertar Portugal da Austeridade. Este evento teve lugar em função da análise que foi feita da realidade, que é o que é, e não o que se deseja que seja. Os acontecimentos que se seguiram arrastando, as demissões do Ministro Vítor Gaspar e a "irrevogável" de Paulo Portas, confirmam o acerto da análise.
E é tanto mais útil recordá-lo quanto é certo ter o Ministro Vítor Gaspar, na carta de demissão que tornou pública, colocado em causa a liderança do Primeiro-Ministro e a política seguida. Esta é a verdade, que muitos querem esconder, mas é isso que se retira do que lá está escrito.
Em quarto lugar, a proposta do Orçamento para 2014, foi aprovada praticamente em simultâneo com a chamada Lei da Convergência das Pensões, que não é senão uma lei de corte das mesmas pensões. A lógica justificaria que o Governo a tivesse incluído no Orçamento.
Ao não o fazer o Presidente da República e o Governo sabiam que a fiscalização preventiva desta Lei da Convergência das Pensões, julgada pelo Tribunal Constitucional por unanimidade, como era previsível, não arrastaria a do Orçamento e assim ficavam acertados interesses convergentes destes dois Órgãos de Soberania. A perda de receitas daquela Lei é da ordem de 350 milhões de euros, enquanto as normas inconstitucionais do corte dos salários da função pública constantes do Orçamento representam cerca de 700 milhões. No plano do Governo para cobrir a verba dos 350 milhões, virão aí novos impostos, qualquer que seja a fórmula adoptada. Foi assim que no passado o Governo sempre agiu. Por isso, pus reservas quanto à participação do Partido Socialista na diminuição da taxa do IRC, a pretexto da importância do acordo para as Pequenas e Médias Empresas (PME's). Sempre me pareceu que o que o Governo propôs com uma mão ao PS, iria retirar com a outra. Estou seguro que não me enganarei.
O que dificilmente ocorrerá, mas já não digo nada por não ser adivinho, é o Governo insistir noutra forma de convergência de pensões a pretexto de que o Acórdão do Tribunal Constitucional abriu uma porta para o efeito. Como bem demonstrou Pedro Silva Pereira, no dia 27 de Dezembro de 2013, no Diário Económico, o Tribunal Constitucional não deixou nenhuma porta aberta.
Em função do exposto compreende-se também, hoje bem, o acerto da iniciativa tomada a tempo no dia 21 de Novembro de 2013, na Aula Magna da Universidade de Lisboa, sob o tema "Em Defesa da Constituição, da Democracia e do Estado Social", antes da votação, na Assembleia da República, do Orçamento do Estado para 2014.
Esta iniciativa é tanto mais de realçar quanto é hoje possível avaliar os efeitos negativos que resultarão de uma inevitável fiscalização sucessiva e não preventiva de alguns preceitos do Orçamento do Estado de 2014, face à proximidade das eleições para o Parlamento Europeu, que terão lugar no dia 25 de Maio e ao período em que o Tribunal Constitucional se pronunciará sobre a fiscalização sucessiva. Estas eleições ocorrerão também com o termo do Memorando de Entendimento da Troika...
Ninguém no seu perfeito juízo, poderá admitir que as medidas de austeridade terminarão com o Memorando de Entendimento com a Troika, face ao valor dos juros que Portugal suporta e ao montante da dívida. Acresce que após as eleições para o Parlamento Europeu, a União Europeia vai ser confrontada com eleições internas para os Presidentes do Parlamento, da Comissão, da própria União Europeia e do responsável pelas Relações Externas.
É neste quadro e não noutro, que as negociações do pós Troika e as medidas de austeridade dela decorrentes, terão lugar e início.
Daí, que não se compreenda de todo, que o Presidente da República não tenha requerido a fiscalização preventiva das normas inconstitucionais do Orçamento do Estado de 2014.
Que plano tem o Governo se essa inconstitucionalidade for declarada, tardiamente, representando, em termos de perda de receita, um valor da ordem dos 700 milhões de euros?
Assim se vê a importância da análise dos eventos acima referidos e ocorridos em 2013, bem como as posições negativas tomadas pelo Governo e pelo Presidente da República.
Tem isto, alguma lógica?
Advogado, ex-deputado do PS