O encantado lago Bunyonyi, no Uganda

Lá do alto, contemplamos a ilha do castigo. Minúscula e com apenas uma árvore. Até não há muito tempo, era residência oficial das mulheres grávidas, mas sem marido. Ali ficavam. Até serem levadas, pela morte...

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Rui Barbosa Batista

A caminho da centena de países visitados, assumo, sem modéstia, que tenho razoável conhecimento de muitos dos lugares mágicos do planeta. Com as suas paisagens, história, cultura e afáveis pessoas, o lago Bunyonyi (Uganda)‏ conquistou, meritoriamente, lugar no top.

Não há despertar igual ao do Bird's Nest — sair dos étnicos e amplos quartos e apreciar da varanda a natureza frondosa e o relaxado plano de água que se aninha aos pés do nosso olhar. A bruma começa por conferir mistério e misticismo à paisagem, que se vai revelando à medida que os raios de sol a despem. A sinfonia animal dá-lhe o toque necessário para a plenitude. Apetece congelar o momento, eternizar as envolventes sensações que desafiam cada um dos sentidos.

Há que atacar o dia. Após pequeno-almoço principesco, com visão de éden, está marcado um passeio em canoa escavada em tronco de madeira. Rasgamos as águas que teimam em manter-se amigas e apreciamos o cenário. Sentimo-nos protagonistas de documentário da National Geographic. Seja pelas aves que mergulham a pique em busca de incauto peixe fresco, pelas cabras que pastam e se equilibram nas encostas ou as famílias que vão cruzando o lago em pirogas. É uma imagem de séculos.

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Rui Barbosa Batista

Apetece "comer" a paisagem, pelo que é em terra que a saboreamos agora. Será longo passeio de quatro horas em exigente, mas delicioso sobe e desce em contacto com os locais. Tão entusiasmados, abertos e comunicativos quanto nós. Um jovem que não sabe a idade — e assume-se órfão com outros quatro irmãos — vai-nos fazendo companhia. Torna-se num guia, sem se impor.

Cruzamo-nos com gente de sorriso franco, fácil, com crianças desejosas de cumprimentar os "estranhos" (muitas encostas acima a transportar água desde o lago). Entramos em "bares" e restaurantes que não passam de meia dúzia de tábuas mal amanhadas. Mulheres trabalham a terra e cuidam da casa, ajudadas por incontáveis filhos. Vemos bem-estar espiritual em quem nem calçado tem. Um bem que, mesmo em segunda ou terceira mão, é para muitos um inatingível luxo.

Lá do alto, contemplamos a ilha do castigo. Minúscula e com apenas uma árvore. Até não há muito tempo, era residência oficial das mulheres grávidas, mas sem marido. Ali ficavam. Até serem levadas, pela morte...

Dez sombrios metros quadrados podem albergar outras tantas pessoas. É um distinto bar onde homens e mulheres se misturam em torno de cerveja artesanal. Com cereais e mel. Não ficamos verdadeiros fãs, mas vale pela partilha. O tempo flutua sem regras. E o cansaço físico final é esmagado por tudo o que vivemos.

Pheona atrasara-se uns minutos de manhã e teve de esperar — na dengosa esplanada. Faz-nos companhia ao almoço que também o é para uma ave de rapina: várias vezes ao dia, o nosso anfitrião, Raf Segers, lança pequenos pedaços de carne que o seu amigo apanha em voos de mestria.

Vamos até a aldeia, onde fica um minúsculo supermercado cavernal que mais parece um bunker, apinhado de gente. Tem televisão, aparentemente, a única na população. É puro fascínio. uma multidão hipnotizada por uma pequena TV, com imagem de fraco nível. Marcaremos almoço para o dia seguinte com uma local que vemos a descascar batatas em frente a sua barraca. O lugar é paupérrimo — como todos os outros — e com direito ao menu habitual: arroz, feijão, "motoke" (banana cozinhada, que mais sabe a batata) e "crayfish", um marisco do lago que seria substituído por ranhosos, gordurosos e parcos pedaços de carne de vitela. Para nós, é um manjar em família.

A piscina panorâmica e natural, com as águas do Bunyonyi purificadas por plantas, volta a ser o nosso poiso no Bird's Nest. É a melhor forma de deixar o dia avançar nas tonalidades do céu. Águas e paisagem... Estamos todos mais do que bem e ficar com toda a piscina e espaço envolvente só para nós não é motivo para qualquer preocupação. O jantar combina a melhor gastronomia com uma sala de jantar do mais belo e acolhedor que recordo. O espaço étnico com cores quentes mescladas na luz e música a ligar tudo com mestria.

No Lago Bunyonyi não falta o que fazer. Em canoa, barco ou em trilhos btt. Aqui, no remoto Uganda, há lugares e momentos que fazem questão de ser eternos.

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