Das fintas e das fitas da “Aliança Portugal”
Se Rangel, a Aliança Portugal e o PPE até admitem ter a porta aberta à mutualização, como explicam as contradições do PM Passos Coelho sobre o tema?
Engana-se Rangel ou quer enganar. Já que, como deve saber, a mutualização da dívida pode fazer-se de muitas maneiras e não apenas através da emissão de "eurobonds".
Mutualizar a gestão das dívidas públicas acima dos 60% é, de facto, o que o PS propõe, sem excluir nenhuma modalidade, por entender que são urgentes soluções para ultrapassar de forma responsável e solidária as fragilidades das economias que integram a Zona Euro, reduzindo as divergências macroeconómicas que um Euro "manco" só tem agravado. É por isso, também, que o PS se bate por um alargamento das competências do BCE.
Ora Rangel sabe que Martin Schulz, sendo alemão, não pode desvalorizar a sensibilidade que o governo de Merkel instilou no seu povo contra os "eurobonds", explorando receios de endividamento e inflação. Mas também deve saber que Martin Schulz, como líder dos socialistas no Parlamento Europeu, não só defendeu os "eurobonds", como já como Presidente do PE apoiou a criação de um "fundo de redenção" das dívidas soberanas em excesso (o que inclui a própria Alemanha, que em 2013 a teve em 80% do PIB), como é mesmo proposto por conselheiros económicos da própria Chanceler Merkel. Isto significa que, ao contrário do que pretende Rangel, não está nada afastada da agenda socialista europeia - nem da própria agenda europeia – a necessidade da mutualização da gestão da dívida entre membros do Euro: um "fundo de redenção" é um dos mecanismos para o fazer, alternativo à emissão de "eurobonds".
Acresce que o presidente do BCE, Mário Draghi – cuja ameaça em 2012 de intervenção no mercado das dívidas soberanas, via OMTs, bastou para deter a especulação contra o Euro – ainda há dias tornou público estar a considerar injectar liquidez na economia para contrariar os riscos de deflação na zona Euro: este processo, que pode vir a fazer-se através da emissão de "eurobills" (ou o que quer que lhes venham a chamar) é equivalente ao "QE-quantitative easing" seguido pelos EUA: além de consubstanciar um alargamento na prática do mandato do BCE, como o PS vem defendendo, não passa, no fundo, de mais uma outra forma de mutualizar dívida na UE – diga qualquer alemão o que disser! Portanto, o tema está na agenda europeia e mais do que nunca.
Rangel faz fita e procura fintar os eleitores portugueses ao escrever que a mutualização da dívida é a "única ideia europeia que o PS tem agitado". Não é, por fundamental que seja, nem é isolável de outras políticas que o PS propõe para afastar Portugal e a UE da destruição austeritária. Em contraste com os 101 dálmatas amanhados pela "Aliança Portugal" para perpetuar cortes sociais e empobrecimento, as propostas PS inscrevem-se na linha construtiva do já publicado Manifesto do Partido Socialista Europeu que apresenta o candidato Martin Schulz para a presidência da Comissão Europeia, e para cuja elaboração o PS nacional contribuiu activamente, incluindo nele menção específica à "importância de mutualizar responsabilidades e direitos no seio da Zona Euro".
PSE e PS batem-se por uma UE que às políticas austericidas contraponha investir no crescimento verde e inteligente, no emprego, na justiça social, na justiça fiscal, na regulação do sistema financeiro, que lute contra as crescentes desigualdades, que assuma partilhar fraquezas e riquezas com equidade, rigor e controlo democrático para aprofundar a integração política e económica. As propostas da família socialista europeia para a saída da crise requerem visão estratégica e vontade política: o que PPE, PSD e CDS não têm tido e nunca vão ter, atidos a dalmaciana sujeição aos diktats ultra-liberais.
O mais singular é o cabeça de lista da "Aliança Portugal" até admitir, no mesmo artigo, que a mutualização da dívida possa ser caminho a seguir, embora se escuse a apontar tempos e modos de o fazer.
É óbvio que em período pré-eleitoral dá jeito ter um discurso meio “cá e lá”, acenando com propostas que fazem sentido para um eleitorado empobrecido e humilhado. Mas Rangel e a sua Aliança PSD/PP tudo farão para fugir a compromissos: à imagem do PM Passos Coelho que jurava recusar mais tempo e menos juros à Troika (como o PS pedia) e logo que o incumprimento tornou inevitáveis ajustamentos ao "programa de ajustamento", trata de os apresentar como se fossem sua grande conquista!
Dizia Juncker, no referido debate televisivo frente a Schulz, ser necessário que as condições estejam reunidas para se avançar para um projecto europeu de mutualização das dívidas públicas. Na mesma linha, Rangel previne que o caminho se faz discreta e subtilmente... O que é o mesmo que dizer que para o Governo e a "Aliança Portugal " este não é assunto para discutir na praça pública, sujeitando-o ao escrutínio dos eleitores. E, no entanto, é o mesmíssimo Rangel que vem lançar ao PS o repto de explicar uma suposta contradição – que sabe ser artificial – nesta matéria entre o discurso interno e o do seu candidato à Comissão Europeia!
Cabe retorquir-lhe com um desafio a sério: se Rangel, a Aliança Portugal e o PPE até admitem ter a porta aberta à mutualização, como explicam as contradições do PM Passos Coelho sobre o tema e o desconforto que recentemente expressou com a transferência de soberania para Bruxelas que projectos de mutualização da dívida venham a implicar? Afinal, em que ficamos? Admitem a mutualização da dívida ou excluem-na em nome da soberania?
Rangel e Juncker sublinham que não houve até agora vontade política dos Estados Membros do Euro para avançar na mutualização da dívida. Não explicam é que isso foi determinado pela resistência de Merkel e pela impotência de Barroso e do próprio Juncker – que, não esqueçamos, sendo do melhor pano europeísta que o PPE tem para apresentar aos eleitores, foi até há pouco tempo um fraco presidente do Eurogrupo.
É justamente por isso que, batalhando por colocar a mutualização da dívida na agenda europeia, sob forma de "eurobonds", de "eurobills", de "fundo redenção" ou através do mandato alargado do BCE, o PS está a fazer o que melhor serve a Portugal e a Europa. Justamente o que PSD e CDS, casados no Governo e na "Aliança Portugal", se demitem de fazer. Por mais fintas e fitas em que Paulo Rangel se esfalfe.
Eurodeputada do PS