Alemanha e Argentina vão disputar mais um título Mundial. Pelo caminho ficaram o anfitrião Brasil e a Holanda, eternamente à beira do sonho. Equipas repletas de “estrelas”, que povoam a ilusão de qualquer equipa ou adepto. Falamos da elite do futebol Mundial. E como será no… Burundi?
Para quem não sabe, é um pequeno país africano. Dada a extrema pobreza da nação, bem se pode orgulhar do honroso 128.º no ranking da FIFA, composto por 209 seleções.
E se o título de campeão nacional valesse ao clube o chorudo prémio de... 2.500 euros? E se o prémio de vitória em jogo "complicado" desse direito a menos do que bilhete duplo de cinema? E se o ordenado mensal não pagasse uma conta normal de luz em Portugal? Deverei acrescentar banho na rua após o treino? Ser campeão do Burundi é mesmo assim. Rico em factos de ficção.
O êxito no campeonato rende menos ao clube do que o que me custa este périplo de mês e meio por África. 2.500 euros é o pecúlio que espera o campeão do 10° país com menor índice de desenvolvimento do mundo.
"O nosso campeonato tem muitos futebolistas com valor para jogar na Europa. Apenas não somos seguidos porque somos país demasiado pobre. Ainda assim, a nossa posição no ranking da FIFA mostra o que sabemos", diz-me interlocutor que não quer ser identificado. Aliás, como todos os outros das quatro equipas da primeira e segunda divisões que treinam em simultâneo em amplo ervado não muito longe do lago Tanganhica. Cada um com o equipamento de diferentes nações.
"Técnica e velocidade" são as principais qualidades do futebolista do Burundi, garantem. Capacidades desenvolvidas em terrenos de que até cabras desdenhariam. Este amplo espaço, onde cabem uns quatro relvados normais, terá mais peladas do que erva. Bem grande e cheia de tufos.
"Estamos habituados às dificuldades. Se jogamos bem nestas condições, imaginem em campos relvados decentes", reforçam. As balizas não estão alinhadas nem têm redes, os guarda-redes usam luvas mais do que desgastadas e o treino pode ser invadido por qualquer um. A todo o momento. Não foram apenas dois cães. Também um vendedor de bebidas e snacks faz a sua aparição, enquanto se joga. Em segundos sai pela imaginária linha lateral com cesta mais leve e bolsos mais felizes. Mais tarde repete o raide que vai alternando no treino de cada equipa.
O trabalho é à porta aberta, mas "raramente os treinadores gostam de preparar a equipa contra um rival". O tom de pele denuncia-me. A máquina fotográfica que insiste em disparar levanta curiosidade. "És um 'olheiro”, pergunta-me alguém, enquanto me atira a bola para a jogar. Dececionados com a nega, mas "jornalista também é bom". "Sim, podes contar ao mundo o que aqui vês". Digo-lhe que sim, a um pequeno universo...
Há quem tenha de abandonar o treino mais cedo para atacar o segundo (talvez o principal) emprego. Não há balneários. Improvisação: conduta de água pública, a separar o relvado da estrada, onde se banham e lavam. Despidos de roupa e preconceitos. Mas defensores da sua da sua honra, dignidade quando se cruzam com olhares estranhos.
No campeonato só há espaço para simplicidade e precaridade de condições: sem balneários, cada equipa vai pelas ruas rumo ao decrépito "estádio", já trajada a rigor, perante a indiferença da habituada população. "Equipamo-nos onde der. Isso não é importante".
O aquecimento é uma festa para qualquer europeu. Quantas vezes é mais uma dança do que correcta preparação física. Criativas coreografias acompanhadas regularmente de palmas. Ritmo. Ritmo. Ritmo.
O futebol no Burundi pode ser um espectáculo sui generis. E até uma lição de vida. Sobram-lhe motivos de interesse. Fiquei fã!