Uma esquerda contra os silêncios
A alternativa séria que o país exige faz-se de uma combinação sábia entre utopia e pragmatismo.
A austeridade é a política realmente existente da União Europeia. Não é por falta de qualidade das lideranças nem por falta de boa vontade que a coesão social e territorial não são prioridades políticas da Europa. É por ser esse o resultado da relação de forças na política europeia. A aliança entre o social-liberalismo e o conservadorismo antissocial que governa a União já mostrou que não terá complacência para com qualquer devaneio que se afaste do desígnio essencial de diminuir os custos do trabalho e aumentar os rendimentos do capital. O raspanete da Comissão Europeia a Lisboa por ter decidido aumentar em 19 euros o salário mínimo nacional é disso prova mais que eloquente. Não há leitura ‘inteligente’ ou ‘flexível’ do Tratado Orçamental. Não há qualquer dinheiro fresco para investir na economia europeia. Há austeridade, só austeridade.
Por isso, o silêncio de António Costa é tão ruidoso: o silêncio sobre o que fazer com a dívida, sobre como governar com o garrote do Tratado Orçamental, sobre a devolução dos salários e pensões a quem trabalha e sobre como atacar o desemprego e a pobreza. Acenar com mudanças de governação nacional confiando que a Europa mudará é acenar com um embuste. Este país que sofre precisa agora de um horizonte de esperança concreta e séria, que arranque das condições concretas que são as suas, e não de uma fantasia que mude protagonistas e estilo mas não mude o que realmente conta nas nossas vidas.
A reestruturação da dívida não é uma teimosia. É uma urgência evidente. Pagamos mais em juros da dívida do que em educação pública e quase o equivalente ao que gastamos com o Serviço Nacional de Saúde. Num país com a altíssima taxa de desemprego que temos, sem um processo de reestruturação da dívida, não há capacidade de alocar recursos para gerar emprego e para distribuir riqueza.
Afirmar o princípio do controlo público sobre os setores estratégicos da nossa economia não é um delírio. É uma urgência evidente. Trinta anos de alternância entre PS e PSD fizeram das privatizações uma fonte de severa fragilização do país e de alimentação de uma classe que vive a vida fácil da promiscuidade entre a política e os negócios. O controlo público desses setores e dos bens comuns é uma peça fundamental para ter uma economia com capacidade de crescer, com o interesse público como prioridade indeclinável.
A alternativa séria que o país exige faz-se de uma combinação sábia entre utopia e pragmatismo. O pragmatismo de que precisamos é o de ganhar força para fazer o que é essencial para o país já, para garantir que há futuro. É o de acabar com as políticas em que todos estão ao serviço de poucos. É o de acabar com a corrupção do sistema, certos de que o sistema é a corrupção e a corrupção é o sistema.
São estes os combates que não podem ser silenciados, seja em nome de um pacto de rendição à Europa que nos pune, seja em nome de uma ilusão de ajudar à viragem à esquerda de quem não está, nem nunca esteve, para aí minimamente virado.
Ensinou-nos João Martins Pereira que “a Esquerda é ela própria projeto, interrogação, descoberta, desejo. […] A Esquerda coloca-se, a si própria, todas as alternativas, e não apenas as que lhe são dadas.” O Bloco de Esquerda sai da sua recente convenção unido para as lutas que a democracia impõe a uma esquerda digna desse nome. Desenganem-se os que não calam o seu desejo de ver o Bloco reduzido em força e em coerência. Somos como sempre fomos. Não cedemos no que é essencial para o país. Não faltaremos com apoio ao que é do interesse de quem trabalha e de quem é atingido pelo desemprego. A esquerda é um projeto. Aqui estamos, como sempre, empenhados em torná-lo realidade.
Dirigentes do Bloco de Esquerda