James Gandolfini não morreu. É um ícone polémico da história contemporânea e faz parte de um conjunto de arquétipos sociais complexos com que tentamos compreender o mundo. O mesmo para Laura Palmer (de regresso, em breve), Macgyver, Seinfield, Dr. House, Jack Bauer, Dexter, Joel Fleischman, Walter White, Fox Mulder e Dana Scully, entre tantos outros.
Esta galeria muito excêntrica (e pós-moderna) compõe um sortido colorido de personagens semi-reais, semi-fictícias, que a indústria de entretenimento tem vindo a produzir em massa, mas não sem nada a declarar: desta ou daquela maneira, as suas estórias deram significado, ilustraram ou problematizaram questões, dúvidas, angústias da história.
O culto das séries terá começado em Portugal algures nos anos 80 com a televisão a cores. Hoje, fazem parte do capital cultural que consumimos diariamente, juntamente com a música, a publicidade, as revistas e as aplicações. Mas será que vemos séries porque nos são impingidas pelos media? Ou é a pescadinha de rabo na boca e consumimos porque nos faz falta e por isso é um nicho de mercado? Não vai mal nenhum ao mundo por isso. Importa, sim, perguntar por que é que as séries importam. Também elas contam a história da história?
Há séries, claro, para todos os gostos. De vários tipos, tamanhos e feitios. Das mais sofisticadas (tipo "Sopranos", "Six Feet Under", "Dekalog") às 3+1=4 (as previsíveis, as que não dão sono mas também não tiram). Adaptam-se às nossas vontades, personalidades, "moods". Posso escolher entre rir hoje com o Ricky Gervais ("The Office"), chorar amanhã com "The World at War" ou beber um chá com a família Crawley ("Downton Abbeye"). Depois, há as mais ou menos universais, como "Game of Thrones", que só quem ainda não viu pode dizer que não gosta ou não lhe diz nada. É um verdadeiro "case study" estético e sociológico.
O "culto" advém da combinação explosiva que estas produções fazem de um conjunto de factores: o entretenimento (que não é uma coisa terrível e é tão antiga como o ser humano); a sofisticação dos meios de produção, da luz à fotografia, passando pela música e os argumentos, muitos deles, brilhantemente compostos e escritos, satisfazendo as nossas necessidades estéticas, sim; o recurso ao jogo, ao estímulo mental e corporal, respondendo à nossa apetência para desafios, como tão bem sistematizou John Huizinga no seu "Homo Ludens" em 1938.
Mas não só. As séries são reservatórios psicanalíticos. Ali lava-se roupa suja sem pudor. Dos preconceitos aos medos, dos desejos aos sonhos, do sexo à política do pior. Tudo posto a nu, com tiros, sons e cores. Vale tudo. Porque é ficção. É ficção? Como diz Aristóteles, a ficção é tão real como a suposta verdade porque não é o que é mas o que podia ter sido. Neste imaginário de possibilidades sem limites e com uma panóplia incrível de recursos tecnológicos como nunca tivemos, as séries dão azo à necessidade humana de explicação e contemplação do mundo.