Mar: assim não vamos lá

Portugal deveria ser o paladino da implementação de disposições que efetivamente protejam os ecossistemas marinhos vulneráveis em todo o Nordeste Atlântico.

Durante a minha vida, tive a sorte de estar envolvido no estudo do grande Atlântico a bordo dos mais modernos navios oceanográficos. Realizei mergulhos a grandes profundidades em submersíveis tripulados. Tive a sorte de viver numa época onde a cooperação científica estava a crescer sob a égide do "Direito Internacional do Mar", que apela a uma utilização sustentável e pacífica dos oceanos, baseada no conhecimento científico. Durante esse tempo, uma geração de cientistas inventariou a biodiversidade marinha, estudou a conectividade e os complexos saldos biogeoquímicas envolvidos no funcionamento dos ecossistemas marinhos. Ao longo de 30 anos, experimentei a singularidade, a diversidade e a fragilidade destes ecossistemas oceânicos. Durante este período, aprendi também como as atividades humanas tiveram impactos na estrutura, diversidade, função e serviços dos ecossistemas marinhos.

Por isso, entre o que vivi e o que aprendi, tirei uma lição que tenho procurado aplicar e divulgar. O cientista do século XXI tem uma tripla obrigação: a de descobrir, a de ensinar e, ao mesmo tempo, a de ser um defensor da conservação dos oceanos, pois conhece a essência do problema. O cientista deve envolver-se politicamente. Tenho tentado fazê-lo.

Assim, para além dos esforços para aumentar o conhecimento do oceano, envolvi-me ativamente em iniciativas para protegê-lo a nível regional, nacional e internacional. Em 2006, participei em várias reuniões ministeriais em diversos países da UE que levaram à adoção de importantes resoluções na Assembleia Geral das Nações Unidas tendo em vista proteger os ecossistemas marinhos vulneráveis (EMV) do mar profundo. Estive também envolvido no trabalho que conduziu ao estabelecimento das primeiras áreas marinhas protegidas do mar profundo e até de alto mar no âmbito da Convenção OSPAR, os campos hidrotermais Lucky Strike e Rainbow e os montes submarinos Sedlo, Altair e Anti-Altair, por exemplo

O esforço de inúmeras pescarias tem também de ser reduzido. Artes de pesca como as redes de arrasto de profundidade e as redes de emalhar de fundo são amplamente reconhecidas por causarem danos graves e potencialmente irreparáveis para as espécies de profundidade e os seus ecossistemas.

Por pressão do Governo Regional dos Açores, a Comissão Europeia inibiu a utilização de redes industriais na zona económica exclusiva (ZEE) em torno dos Açores, Madeira e ilhas Canárias. Esta iniciativa foi estendida pelo Governo da República a toda a plataforma continental jurídica de Portugal uma área duas vezes superior à ZEE portuguesa.

Apesar disso, estamos longe de ter efetivamente protegido esta enorme zona. É que metade desta área encontra-se em águas internacionais, onde a pesca de fundo é gerida pela Comissão de Pescas do Atlântico Nordeste (NEAFC), que permite a pesca de arrasto em alto mar. Ou seja, as frotas portuguesas não podem pescar, mas as estrangeiras sim.

A fim de proteger plenamente estas áreas e expandir a proibição da pesca de arrasto de fundo em alto mar e pesca de emalhar é necessário um regulamento da UE aplicável aos navios de outros países da UE e, em seguida, uma proibição adoptada pela NEAFC.

Por proposta da Comissão, o Parlamento Europeu votou uma proposta em dezembro de 2013, acrescentando disposições importantes para proteger os ecossistemas mais vulneráveis. Esta proposta inclui também a avaliação de impacto para todas as pescarias de profundidade no Atlântico Nordeste.

O processo legislativo da UE impõe que haja um entendimento com o Conselho (onde têm assento os ministros de cada país). Este processo arrasta-se há demasiado tempo. O Conselho Europeu de Ministros das Pescas está a debater a proposta da Comissão para as pescarias de profundidade. Um número de Estados-membros da UE apoia a eliminação do arrasto de fundo em alto mar e redes de emalhar, mas, surpreendentemente, o Governo da República Portuguesa notificou formalmente os outros Estados-membros que se opõe a uma proibição com génese neste regulamento da UE.

Enquanto deputado europeu, tenho mantido um olhar atento e estou de facto decepcionado com a falta de progresso que desta proposta de regulamento no Conselho e, acima de tudo, com a aparente falta de apoio do atual Governo do nosso país. Esta é uma oportunidade para reconhecer que os palangres de profundidade são a única tecnologia de pesca sustentável nas pescarias de profundidade.

Para além de apoiar a eliminação progressiva das artes de pesca mais destrutivas, Portugal deveria ser o paladino da implementação de disposições que efetivamente protejam os ecossistemas marinhos vulneráveis em todo o Nordeste Atlântico. Ou estaremos a contar que sejam os outros a tomar as opções corretas por nós? Pois, é que assim nós assim não vamos lá.

Eurodeputado do Partido Socialista

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