Tudo isto é pequenino

Leio regularmente e há muito as crónicas no PÚBLICO de Francisco Teixeira da Mota. Com prazer e estou-lhe grato pelos muitos ensinamentos. Este texto foi algo inspirado no que escreveu a 6 de Novembro. Hesitei entre uma tonalidade séria e outra mais leve. Escolhi esta.

O país espera um Governo. O actual agoniza. O Presidente da República não tem pressa nenhuma. Um Presidente da República deve assumir um ar hirto, solene e distante de tudo. Discutir teorias dos governos de gestão com a finança. Tomar chá e degustar pastéis de Belém. Teorizar sobre a superior qualidade das bananas da Madeira. Com uma robusta “almofada financeira de dimensão substancial”, o país tem tempo de sobra. A política já não é a arte de governar. É a arte de decidir entregar o poder aos correligionários.

Uma só das desgraças por aí anunciadas já é muito. Juntas são uma catástrofe.

Nestes tempos, a minoria no Parlamento deve impor-se à maioria no Parlamento. A minoria fala mais alto. Impõe-se à maioria que fala mais baixo. Assim ocorreu nos últimos tempos. Tradição! Democracia! A minoria, que se diz maioria, tem um problemazinho. Tem menos deputados. Faz toda a diferença. Não se sai disto. Só novas eleições que a Constituição não acolhe. Reveja-se a Constituição. Não seria inédito. Se a lei não agrada, muda-se a lei. Como os fora-de-lei.

Há uma novel teoria político-constitucional. A legitimidade do Parlamento e do Governo brota de prévia autorização dos burocratas/democratas da Europa. Dos mercados. Ainda não deram autorização. Nem foram consultados. Todo o Governo e Parlamento sem a sua bênção são ilegítimos. O Tribunal Constitucional também. Coisas que deixam marcas indeléveis.

Foi tudo vendido a retalho. Não há nada que vender. A ausência de privatizações é a dor suprema. O financiamento de milhões aos bancos. O Novo Banco foi um sucesso. Não há maneira de se entender por que o Orçamento do Estado pagou. Ou adiantou. O Orçamento é generoso. Sustenta os bancos com o dinheiro dos impostos. Problemas sistémicos. Os bancos esmifram-nos se nos emprestam meia dúzia de euros. As privatizações foram grandes sucessos. A TAP também. As parcerias público-privadas ainda mais. Vamos ter saudades daquelas privatizações em que todos ganham e só o Estado perde.

Na justiça será tudo pior, com as mais diversas decisões enternecedoras. O Tribunal Constitucional decidirá sempre a favor do Governo. Os tribunais ficarão bloqueados. Nada se poderá resolver. O cidadão deixa de o ser. Será julgado e condenado arbitrariamente sem regras pré-definidas.

Os comandos da NATO, o governo de Bruxelas, os mercados abandonam-nos. Portugal fica sozinho e triste neste bocadinho. Sozinho e ostracizado. Já era pedinte. Sê-lo-á como nunca foi.

Os resultados de uma eleição são incertos. Não há como um “seguro de eleitores”. Não deve confiar-se só na vontade de Deus. Nem sempre este é nosso amigo! Palavra de ministro.

Onde é que já se leu e ouviu isto tudo?

Os direitos, liberdades e garantias não constituem matéria de discussão. É tema demasiado sério numa sociedade democrática. Cerne de um país civilizado como o nosso é.

Não abusem da nossa inteligência. E paciência. Leiam o artigo de Francisco Teixeira Mota. Tem muita matéria de reflexão.

Os trágicos acontecimentos de Paris tornam tudo isso muito pequenino.

Procurador-geral adjunto

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