É malhar-lhes (mas com moderação)
Cavaco Silva marcou a tomada de posse do Governo para a mesma hora em que a Assembleia aprovava medidas contra a austeridade.
António Costa chegou uma hora atrasado, e a suar, ao Conselho de Ministros. Mas trazia uma boa justificação institucional:
— Desculpem lá isto. O senhor Presidente indigitou-me, ai, indicou-me para uma reunião urgente e eu tive de fazer o desvio por Belém... Vai um pastelinho?, trouxe dois cartuchos para as senhoras ministras.
— Quer estragar-nos a linha? Somos tão poucas neste feudo de homens, dá três natas para cada uma!, suspirou Ana Paula Vitorino, ministra do Mar.
O seu marido, Eduardo Cabrita, ministro Adjunto, serviu-se de um pastel:
— Mas o Cavaco não sabia que tínhamos a reunião do Governo?!
— Sabia, mas queria discutir coisas... já nem sei o quê. Ou era bananas ou era o superior interesse nacional... Passou meia hora a citar-se a si próprio e a acabar frases com “fim de citação”. E no fim concluiu que “há muitas coisas por esclarecer”. Bem, acho que já está com saudades das longas auscultações, coitado.
— Coitado, nada, é malhar nele, é malhar na direita!, gritou Augusto Santos Silva, que começou há dias, como ministro dos Negócios Estrangeiros, a estudar a diplomacia no século XXI e os manuais de etiqueta e boas maneiras de Paula Bobone.
António Costa fez um gesto de lâmina com a mão. Era o seu novo sinal de confiança no futuro, mas, como não tinha avisado, os ministros pensaram que estava a afastar uma mosca. Ou então a apontar para a esquerda, de modo radical. Mas isso não fazia sentido depois do discurso da tomada de posse: falar de “moderação” e “tempo novo”, ao mesmo tempo que zurzia nos avisos de Cavaco e nas convicções de Pedro Passos Coelho.
— Bom, vamos planear os próximos quatro anos. Ou três, ou dois... Pelo menos o próximo ano. Vamos virar a página da austeridade: desenvolver o país e cumprir todas as metas orçamentais. Ok, quem quer começar, mandar bolas para o pinhal?
Agora ouviu-se uma mosca verdadeira e António Costa afastou-a, desta vez para a direita. Silêncio no centro do poder de esquerda.
— Vieira da Silva, tu que és repetente na Segurança Social, podes começar.
— Ahhh, bom... eu... de facto eu fiz uma reforma quando era o ministro do José Sócrates e...
— O seguinte!, interrompeu o primeiro-ministro, não percas o raciocínio mas começa de outra maneira, por favor. Outras referências mais viradas para o futuro. Tu, Capoulas Santos, a agricultura vai dar frutos e batatas ou quê?
— Bom, já que não posso falar no Sóc... no hum... vou repetir: acabou-se o pesadelo! Agora vamos é ver se chove nos campos!
— Se me dão licença, a Cultura, de que muito me honra ter a pasta, vai ser a...
— Não percas o raciocínio, João Soares, sabes que a Cultura é prioridade e a Educação e isso tudo, mas estamos a falar de dinheiro a sério.
— Essa agora, mas a Cultura dá dinheiro se a soubermos apl…
— Maria Manuel Leitão Marques! A nossa criadora do Simplex! o que é que tem a dizer a ministra da Modernização Administrativa? Como é que vamos desenvolver o país e manter o tratado orçamental sem cortar nas despesas sociais?
— Deixe-me só acabar o pastel de Belém… Hum, isto é uma perdição. Bom, só tenho uma resposta para isso: é um bocado Compliquex.
— Francisca Van Dunem, avanços na Justiça?
— Como sabe, senhor primeiro-ministro, em Angola onde nasci respeitam-se os mais velhos. E, como especialista em violência contra os idosos e em violência doméstica, peço-lhe e ao senhor ministro Santos Silva que tenham em consideração que o senhor Presidente ainda vai coabitar com este Governo mais dois meses. Vamos tentar evitar mais violências.
— É que o homem causa-me… enfim… Por falar nisso, não há dúvida de que é um Governo que respeita a ideia de coabitação e de família feliz: temos aqui o casal Eduardo Cabrita/Ana Paula Vitorino, temos o Guilherme de Oliveira Martins, que é filho do outro, sem esquecer a Mariana, a tua filha secretária de Estado, Vieira da Silva!
— E Ricardo Mourinho Félix, primo do José Mourinho, que pode dar-te lições de special one. Já teve melhores dias, mas…
Um jovem de barba preta falou pela primeira vez:
— E temos o Miguel Prata Roque, um secretário de Estado que é advogado de José Sócrates. É outra espécie de “família”, não é?
— Ah, ah, essa teve graça, Tiago, disse a ministra da Justiça. Vou contá-la à minha amiga Cândida Almeida!
— Tiago Brandão Rodrigues, sei que és cientista em Cambridge, mas deixa-te de bocas foleiras que estás em Portugal. Concentra-te na Educação. Ok. Muito obrigado, minhas senhoras e meus senhores. Portugal está bem servido. Acabou-se a austeridade. Até para a semana.
Estavam todos a levantar-se quando a porta se abriu e entrou uma trunfa grisalha despenteada. Um simpático senhor deixava cair folhas com fórmulas matemáticas.
— Desculpem o atraso!
— Mário Centeno, tinha-me esquecido de ti!
— Estive a fazer as contas outra vez, António Costa... Temos de conversar.