Esta ponte é única no país: quem a pisa não sabe, mas gaba-lhe a utilidade

Ponte S.Silvestre, em Ovar, tem um tabuleiro com dois dedos de espessura, pesa três toneladas e é imune à corrosão. É simples de montar e evita custos de manutenção

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Projecto da ponte sobre o Cáster foi desenvolvido ao longo de três anos NELSON GARRIDO
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O piso tem apenas 38 milímetros NELSON GARRIDO

Maria da Glória e Amélia Pinto são vizinhas e atravessam a Ponte S. Silvestre todos os dias. Logo que foi instalada, há quase três meses, passaram a usá-la, alheias às potencialidades que os seus pés pisam para chegar ao centro da cidade. “Encurta caminho, assim já não me canso tanto, vou direitinha para fazer as compras”, diz Maria da Glória, de 60 anos. Vai ao supermercado, pára para ver o peixe fresco do dia, mete o que compra num saco plástico que leva na mão. Amélia parece mais carregada com as compras. Está na hora de voltar a casa, o almoço aproxima-se, e a caminhada dura um quarto de hora, mais coisa menos coisa. “A ponte? É para a gente passar, para a gente caminhar”, responde. As vizinhas não fazem ideia das características da travessia. “O que é que ela tem? Não sei. Mas fica aqui muito bem”, comenta Maria da Glória.

Quem a pisa desconhece as capacidades, elogia a utilidade prática. Quem a idealizou gaba-lhe as qualidades técnicas. E ela destoa da paisagem, porque é diferente das restantes pontes que também unem as margens do rio. É amarela e cinzenta, não de madeira, e tem características que a tornam única no país. A Ponte S. Silvestre, em Ovar, baptizada com o nome de uma prova de atletismo, é uma travessia pedonal sobre o Cáster, que tem materiais inovadores, um peso inferior ao habitual, três toneladas, espessura mais reduzida, 38 milímetros, e é imune à corrosão. As características estão lá, até escritas numa placa colocada no chão, mas é a utilidade da ponte que salta à vista. Mesmo com duas pontes não muito distantes, a S. Silvestre veio mesmo a calhar para quem quer percorrer o rio até ao centro da cidade e atravessar para o outro lado. Ou para quem quer encurtar caminho ali junto à biblioteca municipal e ao Centro de Artes de Ovar, no Parque da Senhora da Graça.

Quando o tempo permite, António Almeida aproveita a pausa da manhã da hora do trabalho para um circuito a pé pelo percurso do rio e a ponte faz parte do trajecto. “Esta zona não era muito frequentada. As pessoas chegavam ali ao fundo e vinham para trás, porque não tinham por onde passar.” Agora podem atravessar as margens do Cáster naquele local. A ponte faz, portanto, sentido. As mais-valias passam despercebidas, a única observação é o material que destoa das outras pontes ali perto. “Só não se ajusta à estrutura das outras pontes que são de madeira. É o único senão. É diferente e provavelmente é para ser assim, diferente.” Ana Rosa Soares também faz essa observação. “Não é igual às outras, é diferente”, refere. Não sabe “nada do assunto” da ponte, da sua fina espessura ou da sua anticorrosão. E, quando o olhar recai na estrutura, é uma viga em baixo que vê, o amarelo e cinza, nada de impressões técnicas. “Acho que ela fica bem aqui. As pessoas que vinham por aqui ficavam a olhar por não saberem por onde passar e tinham de voltar para trás. Agora não, chegam aqui e têm uma saída.”

Casamento perfeito entre materiais  
A Ponte S. Silvestre tem 11 metros de comprimento e dois de largura e usa materiais que lhe conferem essa exclusividade no país. A descrição colocada no chão chama a atenção para um “município inovador e empreendedor”. Os termos técnicos não são percebidos por quem não entende da arte. Ponte pedonal, lê-se, “em perfis pultrudidos de matriz polimérica, reforçados com fibras de vidro e tabuleiro em betão autocompactável, fortalecido com fibras”. Como assim? “Reunimos dois materiais complementares, casámos bem esses materiais”, adianta ao PÚBLICO Joaquim Barros, coordenador do projecto, professor da Universidade do Minho, e investigador do Instituto para a Sustentabilidade e Inovação em Estruturas de Engenharia. Os materiais que fazem a diferença são betão autocompactável reforçado com fibras de vidro e nesta ponte não há qualquer armadura convencional em betão armado. As propriedades de resistência do betão autocompactável permitem uma ponte com menos espessura, menos peso, e imune à corrosão. “A ponte tem um tabuleiro de betão auto-compactável reforçado com fibras de vidro, com uma espessura de 38 milímetros. Esta fina laje está apoiada em vigas em fibra de vidro. É um tabuleiro muito fino, as vigas são de materiais muito leves.” Joaquim Barros fala numa ponte com maior durabilidade pelos materiais que incorpora. “Não é susceptível a fenómenos de corrosão”, garante. Isso significa que não haverá custos de manutenção, o que quer dizer poupança financeira. “Podemos admitir uma pintura ao final de alguns anos”, acrescenta.

Uma ponte mais leve é mais simples de instalar. “Pode ser feita em qualquer sítio, principalmente em zonas onde a agressividade ambiental é significativa.” Como as zonas perto da costa marítima – é o caso de Ovar. Joaquim Barros abre a porta à utilização dos materiais usados na ponte noutros sistemas construtivos, “com vantagens técnicas e económicas”. É uma questão de estudar e experimentar.

O projecto da ponte demorou cerca de três anos e envolveu a Escola de Engenharia da Universidade do Minho, o Instituto Superior Técnico, e a empresa Alto – Perfis Pultrudidos, Lda, da Maia, entre outros parceiros, e contou com o apoio do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) e a Agência de Inovação (AdI). Inicialmente, este projecto de investigação e desenvolvimento estava centrado em pontes pedonais para a linha do TGV, que não deverá sair do papel. A ideia foi então adaptada e surgiu a ponte feita para Ovar.

Não há, por enquanto, encomendas para mais pontes. Mário Alvim, da empresa Alto, acredita que isso irá acontecer pelas características da ponte e por evitar custos de manutenção. “É uma ponte mais leve e os meios necessários para a sua instalação são muito simples”, refere.

Além da Alto, especializada no fabrico de materiais compósitos, o projecto de investigação teve uma forte ligação ao tecido empresarial. A Civitest – Pesquisa de Novos Materiais para a Engenharia Civil, Lda, de Vila Nova de Famalicão, construiu o tabuleiro e a Tecnipor, da Maia, tratou dos ensaios estruturais antes da instalação definitiva da ponte.

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