O terrorismo do nosso quotidiano
Na Europa, não somos principiantes em matérias de atentados.
Esquecimento e enviesamento histórico, proximidade extrema e emoção são os novos padrões da cobertura do terrorismo e ainda não tomámos consciência plena disso.
Ao produzir, ler, ver e ouvir as notícias sobre os ataques em Bruxelas encontramos um padrão. O padrão não é o que os especialistas, ou aqueles que adquirem essa designação quando ganham minutos de fama nos ecrãs, normalizaram através da ideia de que se há refugiados há perigo terrorista ou que com estes governos e esta UE não há segurança.
O padrão é outro: é o do tipo de notícias que produzimos e lemos e que cada vez mais é semelhante ao fluxo do Twitter, como se as peças de 2000 caracteres ou de minuto e meio se tivessem deixado influenciar pela escrita sintética e imediata do Twitter, destinada a, em 140 caracteres, causar mais emoção e resposta do que atenção e informação.
Com Bruxelas, depois de Paris, há assim a instalação de uma espécie de nova normalidade noticiosa que nos diz que vivemos por um lado momentos excepcionais, pois nunca tal foi visto, e por outro lado nos mostra que temos de nos resignar a perceber que este estado de coisas vai durar muito tempo.
A questão fundamental é perceber se tal é mesmo assim ou se parece ser assim? Obama, e não os académicos, políticos ou jornalistas chamados a comentar, deu a resposta instando a que "não se responda com o medo".
A UE, os governos, os partidos, os jornalistas e os cidadãos europeus não precisariam, em principio, da dica de Obama, pois não somos principiantes em matérias de atentados.
Pelo contrário, o terrorismo foi para a América em 2001 uma quase descoberta e para nós europeus é hoje o regresso a uma infeliz normalidade do quotidiano europeu.
Se assim era (é) tão normal o terrorismo na Europa, o que o tornou agora percebido como algo nunca visto? A resposta tem tudo a ver com a comunicação.
Por um lado as redes sociais, e em particular o Facebook, que pela relação de um para muitos nos passaram a dar uma enorme proximidade com vítimas, amigos de vítimas e amigos potencialmente em perigo e introduziram a sensação de que o terrorismo nunca havia estado tão próximo de nós.
Por outro lado a sensação de que os terroristas estão no mesmo espaço que nós. E que espaço é esse? É, por exemplo, o do Twitter, onde radicais falam de igual para igual connosco sem que ninguém nos "proteja" dessa comunicação não pretendida.
Mas é também o espaço dos blogues, do YouTube, do Facebook, onde a comunicação em rede, que substituiu a comunicação de massas, representa hoje uma dimensão central dos processos de radicalização do islão para muitos jovens, ao mesmo tempo que para muitos outros continua a ser apenas o veículo de excelência de afirmação das identidades grupais na juventude.
Por último, as notícias em português, francês, espanhol, italiano, inglês e alemão (países que conheceram a "normalidade" quotidiana dos atentados na Europa dos anos setenta e oitenta) esqueceram-se que o terrorismo com origem no Médio Oriente, ou patrocinado por países do Médio Oriente, no tempo da nossa juventude atentava contra hotéis, restaurantes, cafés, comboios, gares, partidas de aeroportos, quase todos os meses e quase sempre com numerosas vítimas.
Por isso, o Daesh, ou Estado islâmico, é neste particular apenas um imitador do terrorismo do passado, mas que tenta maximizar com as tecnologias de hoje a morte e impacto comunicativo dos seus atentados.
Porque importa falar sobre isto tudo? Porque, como Obama relembra, há muitas maneiras de reagir contra os nossos inimigos e a mais acertada implica ter a certeza de quem são esses nossos inimigos e de como maximizar o combate sem perder mais do que aquilo a que se aspirava ganhar.
Gustavo Cardoso é Professor Catedrático do ISCTE-IUL e investigador do College d'Études Mondiales na FMSH Paris