O Presidente e o oitavo partido unipessoal

Ontem, na Assembleia da República, quase que poderíamos imaginar que Marcelo Rebelo de Sousa representava o maior partido português.

Esta semana ficará marcada pelos temas presentes no discurso do Presidente da República nas comemorações do 25 de Abril na Assembleia da República. 

Cada Presidente tem o seu estilo e aos diferentes tipos de semi-presidencialismo, experimentados nos últimos 42 anos, soma-se agora o embrião de uma outra forma de viver o cargo presidencial.

Este discurso presidencial é, como todos os discursos do 25 de Abril, produto do contexto vivido no país e também da centralidade do poder da palavra no exercício do cargo presidencial. O contexto foi, e é ainda, o de lidar com o necessário equilíbrio entre plano nacional de reformas e programa de estabilidade.

O Presidente abordou no seu discurso as questões das reformas e da estabilidade e, logo após o final da sessão, os partidos apressaram-se a dizer publicamente nas televisões que estavam dispostos a consensos ou que sempre haviam estado mas que o "Outro" nunca demonstrou, até agora, essa disponibilidade.

No entanto, o mais interessante, e politicamente relevante, está noutras passagens do discurso de Marcelo Rebelo de Sousa e na própria retórica assumida na sua leitura. Pois, está alocução do 25 de Abril foi diferente. 

Foi um discurso professoral, fazendo recurso à lembrança dos momentos de professor do actual Presidente da República em conversa com os alunos sobre o 25 de Abril e transpondo esse tom de conversa para o próprio hemiciclo.

A sua intervenção teve o cuidado de contribuir para prender mais o BE, PCP e Verdes ao PS e renovar a ligação do PSD ao CDS, dando uma nova vida virtual ao ex-PàF. O Presidente da República conseguiu-o ao indicar que existem dois caminhos, duas alternativas para o exercício da governação, uma assente na governação conjunta de PSD-CDS e outra num governo PS apoiado na assembleia pelo PCP, BE e Verdes.

Por outro lado, o seu discurso foi incisivo para vários protagonistas políticos. Pois, retirou o argumentário da culpabilização da Constituição como fonte dos males de Portugal, tanto a Passos Coelho, como ao ausente Mario Draghi - o qual havia quebrado o segredo do Conselho de Estado expressando a sua opinião sobre a Constituição Portuguesa e a necessidade de a rever.

Marcelo Rebelo de Sousa foi, aliás, mais longe face ao BCE, quando afirmou a necessidade de a Europa ser menos "confidencial" - um reparo que no actual contexto serve na perfeição para ilustrar as recusas do BCE e do Banco de Portugal em revelar o que se discutiu sobre o Banif antes da sua venda.

O Presidente da República advertiu, também, os partidos da esquerda, e em particular o Governo de António Costa, para a necessidade de encarar a realidade ao ler os números e a não negar os factos, quando os mesmos surgirem, e a rectificar, sempre que necessário, as previsões orçamentais e outras.

O discurso do Presidente neste 25 de Abril também nos informou, para memória futura, que a saúde será uma das bandeiras principais da sua presidência - fê-lo nas referências no discurso à necessidade de compromissos nesse sector e materializou as palavras em actos ao homenagear a saúde nas pessoas de António Arnaut e Lobo Antunes.

Na Assembleia da República há sete partidos, mas Marcelo ao utilizar o parágrafo onde refere que o seu mandato é "mais longo e mais sufragado do que os mandatos partidários" está a dizer que não é apenas um árbitro, que olha do alto de Belém para S. Bento, mas que também sabe descer à terra até ao plenário dos acordos e da luta política.

Ontem, na Assembleia da República, quase que poderíamos imaginar que Marcelo Rebelo de Sousa representava o maior partido português, sufragado em eleições nacionais, pelo que pode conferir ou retirar o apoio que legitima um governo. 

Neste 25 de Abril, Marcelo Rebelo de Sousa conferiu a legitimidade da governação, utilizando o seu poder unipessoal de candidato mais votado de entre todos os que estavam naquele hemiciclo, sendo, por breves minutos, o oitavo partido da legislatura.

Professor Catedrático do ISCTE-IUL e investigador do College d'Études Mondiales na FMSH

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