Somos a alternativa?

“Somos a alternativa” disse Antonio Costa no congresso do PS e escreveu Pablo Iglesias, líder do Podemos, este fim-de-semana.

No final do congresso do Partido Socialista tanto PSD quanto CDS acusaram António Costa, e a sua actual governação, de estarem reféns da “extrema esquerda radical”, do Bloco de Esquerda e de o PS ter deixado de ser o "velho e fiável" partido do arco de governação.

Há, de facto, novidades à esquerda mas não passam pela interpretação feita pelos comentários dos diferentes representantes dos partidos que compareceram no congresso do PS.

As novidades na esquerda advêm menos das lideranças e da ideologia e mais do contexto em que vivemos no pós-crise de 2008, não se resumindo apenas à Península Ibérica ou à Europa – basta lembrar a candidatura de Bernie Sanders que ainda esta semana mantém Hillary Clinton na incerteza da nomeação para as eleições às presidenciais nos EUA.

O diagnóstico sobre esse contexto é partilhado por muitos cientistas sociais e, cada vez mais, por políticos tanto à esquerda quanto à direita.

O grande problema (e que dá forma ao actual contexto) é a desconfiança da maioria dos cidadãos face às instituições, aos partidos e aos políticos – algo que é bem mais grave do que qualquer crise financeira ou económica. Porquê? Porque se não há confiança na representação feita pelos políticos, se se acha que a política é igual a abuso e indiferença face às pessoas, temos uma situação de salve-se quem puder, seguindo-se a implantação do individualismo como modelo económico e social – algo que, por exemplo, podemos vislumbrar em formação na actual crise política e social brasileira.

No entanto, sabemos igualmente que perante sérias adversidades sociais há sempre reacções. Foi assim, em 2011, com o movimento 15-M em Espanha na busca de novas formas de representação política as quais, posteriormente, deram origem ao Podemos enquanto partido.

Nos EUA também não é possível ignorar o contexto de resposta à desconfiança materializado no apoio e voto em Bernie Sanders por parte dos mais novos (mulheres incluídas) e dos que não se consideram representados pelas actuais elites políticas do Partido Democrata. Sanders partilhou com todos esses as “acampadas” do Occupy e transpôs para o programa eleitoral muitas das suas críticas a Wall Street, hoje defendida nos seus valores e preocupações, não por Donald Trump, mas por Hillary Clinton.

No seu discurso de encerramento, António Costa declarou que só os partidos socialistas e sociais democratas se podem constituir enquanto alternativa à prática da visão neo-liberal da direita europeia – hoje essencialmente preocupada em estabelecer políticas de austeridade para “aprisionar” o centro político e conter ondas migratórias, para estancar o crescimento do social-xenofobismo da extrema-direita.

No entanto, António Costa está apenas meio-certo quando afirma que os partidos socialistas da Europa do Sul, sociais-democratas e trabalhistas no Norte e Centro da Europa são a alternativa. Todos estes só serão alternativa se souberem vencer a desconfiança na representação política. Para ultrapassar essa desconfiança, as lideranças necessitam de trazer inovação para o sistema de partidos, para os modelos de governação e para o seu elencar de preocupações públicas.

Como referiu no fim-de-semana Pablo Iglesias, número um da coligação eleitoral Unidos Podemos: “O nosso primeiro desafio é assumir que só poderemos governar mediante uma aliança, na Espanha e na Europa, com a velha social-democracia, num contexto posterior ao da Guerra Fria e no qual as identidades políticas da esquerda, que se forjaram no calor do breve século XX (1917-1989), têm problemas em se reconhecer a si mesmas” .

Em Portugal a “velha social-democracia”, do Partido Socialista, soube construir uma plataforma governativa onde a “nova social democracia”, que abarca os votantes de socialistas, bloquistas, comunistas, verdes e outros, poderá prosperar e evoluir para uma alternativa estável face à “nova direita neo-liberal” portuguesa.

O próximo teste europeu de construção de uma alternativa, baseada na busca por uma nova social-democracia, passará pelas eleições deste mês em Espanha e pela soma do Podemos e das diferentes esquerdas, incluindo partidos galegos, valencianos, baleares, eco-socialistas, movimentos sociais e coligações municipais, bem como da velha social-democracia do PSOE.

Resta agora ver o que sucederá com a vitória dada pelas sondagens ao Partido Popular ou ao Podemos no próximo dia 26 de Junho e pelas negociações por si lideradas para constituirem o próximo Governo, já que o Partido Socialista Espanhol parece ter já perdido a possibilidade de liderar essa construção de uma “nova social-democracia” no resto da Península Ibérica.

Professor Catedrático do ISCTE-IUL e investigador do College d'Études Mondiales na FMSH 

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