Unidos podemos (quase) sempre tudo
Embora tendo perdido ambos as suas apostas pessoais nestas eleições, a solução para Espanha é mesmo Sanchez e Iglesias avançarem para um governo PSOE-Podemos.
Em Espanha há aqueles que querem uma governação liderada pela direita do PP, junto com o Ciudadanos e a neutralidade dos socialistas, mas simultaneamente há uma real oportunidade de se criar uma nova alternativa de democracia que dê azo à mudança social necessária.
O modelo da actual governação portuguesa poderia ter sido copiado em Espanha pelo PSOE em Dezembro passado, mas os seus “barões” impediram o secretário-geral do PSOE, Pedro Sánchez, de fazer um acordo com o Podemos depois das últimas eleições, preferindo negociar primeiro com o Ciudadanos.
Pedro Sánchez não é António Costa e, no equilíbrio de forças regionais do PSOE, Susana Díaz, na Andaluzia, e outros líderes no resto da Espanha travaram às quatro rodas qualquer acordo parlamentar, ou de partilha de governo, com o Podemos.
O veto andaluz e dos históricos do PSOE, Felipe González incluído, teve como consequência o regresso de novas eleições e um resultado ainda pior para o PSOE.
O PSOE não perdeu o segundo lugar, mas a velha Espanha do bipartidarismo entre PP e PSOE morreu para dar lugar a parlamentos onde ninguém consegue de forma simples a maioria absoluta.
Mais do que em Portugal, em que no pós-crise financeira não surgiram novos partidos com representação parlamentar que ponham em causa PS e PSD, a Espanha assiste a uma crise dos partidos que governaram nos últimos 40 anos.
Essa crise dos partidos é visível seja na governação nas autonomias seja nas cortes em Madrid, dando azo, como sugere o sociólogo Manuel Castells, a um processo de redefinição do sistema político através da mudança social.
Essa mudança é também visível por uma demarcação pelo voto, tal como se verificou no "Brexit", quer por idades quer por territórios.
Assim, a aliança Unidos Podemos tem uma maioria esmagadora entre os votantes menores de 40 anos e o Ciudadanos tem o seu voto de apoio concentrado nos espanhóis com idades compreendidas entre os 35 e 40 anos.
Territorialmente, como escrevia recentemente Castells, o Partido Popular (PP) é o partido dos reformados espanhóis, o PSOE o partido dos reformados do Sul da Espanha, ou melhor da Andaluzia, e o Unidos Podemos (UP), nas suas diferentes encarnações territoriais, é hoje a segunda força política em vários territórios, relegando o PSOE para terceiro em Barcelona, Madrid, Valência e na Catalunha.
Votaram em 2016 menos 4% de espanhóis do que em 2015, pelo que o Ciudadanos perdeu qualquer coisa como 400.000 votos, o PP ganhou 650.000, o PSOE perdeu cerca de 140.000 e o Unidos Podemos próximo dos 180.000 (mas agora coligado com a Izquierda Unida).
A conclusão da noite eleitoral é que os votos de 2015 nos neoliberais do Ciudadanos voltaram para o PP e parte dos quase 400.000 perdidos pelo PSOE e Unidos Podemos ficaram em parte incerta - pois alguns eleitores, que não votaram em 2015 por desilusão com o PP, terão também regressado.
A noite eleitoral e as declarações realizadas mostram que Rajoy segue confiante na sua insistência em não abandonar a luta, mesmo cercado por casos de corrupção no PP – apenas lhe falta a queda de Sánchez às mãos dos barões do PSOE, ainda mais facilitada por um resultado pior do que o de 2015.
Albert Rivera (Ciudadanos) joga tudo por tudo e fará tudo o que for preciso para apoiar um PP em grande coligação - mas tudo parece mais difícil agora que Rivera perdeu os votos e o élan de renovador do centro direita espanhol. Por sua vez, Sánchez durante toda a campanha recusou uma aliança com Iglesias e o Unido Podemos.
A todo este cenário político se junta o ressentimento pessoal de Sánchez face a Iglesias – pois no round anterior Sánchez não chegou a formar governo porque o Podemos não deu a sua abstenção a um governo PSOE/Ciudadanos, nem poderia, visto que o programa progressista daqueles não era compatível com o programa neoliberal do Ciudadanos.
Os votos obtidos pelos quatro partidos e as relações estabelecidas entre os seus líderes junto às próprias dinâmicas internas dos seus partidos colocam-nos, assim, perante um cenário inédito.
Nem o PP coligado com Ciudadanos, nem este último junto com o PSOE, somam uma maioria suficiente de deputados que permita chegar aos 176 da maioria absoluta no congresso. Por sua vez, Sanchez não pode, sem perder a face perante a opinião pública, apoiar o PP de Rajoy. No entanto, também ninguém quer fazer umas terceiras eleições.
Os comentadores apontam a hipótese de um governo minoritário do Partido Popular, que seja viabilizado pela abstenção do PSOE e Ciudadanos. No entanto, a oposição do Unidos Podemos e dos partidos nacionalistas, junto com eventuais votos do PSOE, (somando 181 deputados) tornaria muito difícil um governo de continuidade das políticas do PP, mesmo que apoiadas pelo Ciudadanos (169 deputados).
Daí que só exista uma potencial opção estável: uma maioria progressista apoiada nos 156 deputados do PSOE junto com o Unidos Podemos (desde que Sanchez consiga renovar o PSOE).
Depois de Sánchez e Iglesias terem saído fragilizados destas eleições a sua sobrevivência política pode, efectivamente, depender de formarem ambos governo, algo que o facto de o PSOE ter continuado a ser o maior partido da esquerda pode ajudar a concretizar.
Para que esse cenário seja possível é necessário que Sánchez se livre da sua destituição, pré-anunciada pelos notáveis do PSOE, a troco de lugares num novo governo e que Iglesias gira a coligação Unidos Podemos em toda a sua diversidade - tarefas a juntar ao apoio tácito parlamentar dos partidos nacionalistas Basco (5 deputados) e à diversidade de forças independentistas catalãs (17 deputados), pois só assim se atingirá a maioria de 178 deputados.
Uma grande coligação PP e PSOE, pretendida pelos velhos poderes da sociedade espanhola, traria a estabilidade dentro do imobilismo que a Europa almeja depois do "Brexit", mas não traria paz social ou um combate efectivo à corrupção, nem o desenvolvimento social e económico que a sociedade espanhola reivindica.
Daí que, como refere Castells, em eleições democráticas a alternativa nunca é entre a reforma ou a ruptura, mas sim uma escolha entre o imobilismo e a democracia real. Está nas mãos de Sánchez e de Iglesias o rasgo de génio político que forma os grandes momentos históricos.
Professor Catedrático do ISCTE-IUL e investigador do College d'Études Mondiales na FMSH