Uma cultura de segredos
Na década de 1990, as infecções multirresistentes tinham-se transformado numa crise de saúde pública. Os avanços no campo da medicina têm sido, paradoxalmente, uma das principais razões para o alastramento e o agravamento da epidemia.
Existem bactérias resistentes aos antibióticos quase desde a altura em que surgiram os antibióticos. Alexander Fleming descobriu a penicilina, o primeiro antibiótico moderno, em 1928, salvando milhões de vidas de infecções que apenas alguns anos teriam sido mortais. Por volta de 1940, investigadores comunicaram que havia bactérias que já tinham desenvolvido resistência em relação aos medicamentos.
A ciência moderna tem mantido uma batalha para acompanhar a evolução do mundo dos micróbios. Os investigadores desenvolvem uma gama de medicamentos para substituir os que estavam a perder eficácia, e pouco depois as bactérias começavam a mostrar resistência aos novos produtos – um problema que se agudizou com o aumento generalizado de prescrição de receitas de antibióticos e com o seu uso excessivo em animais criados para consumo humano.
Na década de 1990, as infecções multirresistentes tinham-se transformado numa crise de saúde pública. Os avanços no campo da medicina têm sido, paradoxalmente, uma das principais razões para o alastramento e o agravamento da epidemia.
Cada vez mais pessoas vivem com um sistema imunitário enfraquecido: bebés prematuros, idosos, pessoas com cancro, SIDA e outras doenças que antes eram mortais mas que agora muitas vezes se mantêm como uma condição crónica. É também por isso que as bactérias multirresistentes surgem maioritariamente nos hospitais, nos lares de terceira-idade e em outros ambientes de cuidados de saúde – locais onde se concentram os segmentos da população mais susceptíveis e desprotegidos.
Em 2001, um grupo de trabalho liderado pelo CDC, pela FDA [Food and Drug Administration, que detém, entre outras, funções desempenhadas em Portugal pelo Infarmed e pela ASAE] e pelo Instituto Nacional de Saúde anunciou que as infecções resistentes aos antibióticos eram uma grave ameaça à saúde pública e publicou um plano de acção para enfrentar o problema. O grupo emitiu várias recomendações, entre as quais a criação de um plano nacional de vigilância e um mais rápido desenvolvimento de novos antibióticos.
Mas, mesmo assim, nem uma única nova gama de antibióticos foi aprovada para uso médico desde 1987. Apesar de anos de esforços para formar e consciencializar os trabalhadores da área dos cuidados de saúde em relação ao controlo de infecções, múltiplos estudos mostram que muitos deles geralmente continuam a falhar em medidas de prevenção básicas, como lavar as mãos.
Enquanto os tipos de bactérias multirresistentes se têm multiplicado, o governo federal apenas exige que os hospitais comuniquem infecções por duas delas – a MRSA, ou infecção do sangue, e C. difficile. No que toca às restantes, apenas pede relatórios limitados e confia nos serviços estatais para preencherem o que falta.
Em 2014, a administração do presidente Barack Obama revelou um novo plano de acção nacional para combater as bactérias multirresistentes. Em 2015 o Congresso seguiu o exemplo, autorizando um aumento de 160 milhões de dólares no orçamento do CDC, destinado a apoiar a pesquisa, o desenvolvimento de medicamentos e a vigilância de bactérias multirresistentes por parte das autoridades estatais.
Mas, como a Reuters descobriu, a vigilância levada a cabo pelos responsáveis estatais pode encontrar pela frente uma forte resistência institucional e leis que protegem a indústria dos cuidados de saúde.