Sumol+Compal triplicou as vendas com o investimento em Moçambique
Apesar da crise que o país vive, o grupo português continua a crescer e já tem uma quota de mercado de 40%. Agora, é o momento de apostar forte na África do Sul.
A estrada da Namaacha, que liga Maputo à periférica Boane, é um retrato quase fiel do caminho que a Sumol+Compal tem feito nos últimos três anos, desde que abriu uma fábrica em Moçambique. Sobrando terra entre o asfalto da estrada e o cimento das casas e dos muros, amontam-se lojas improvisadas. Vende-se um pouco de tudo: roupa, sapatos, pneus, vigas de madeira, tijolos. O desafio é este: conseguir chegar ao consumidor num país em que se estima que o comércio não organizado valha 90% do mercado.
O grupo português tem sabido vencê-lo, ao ponto de já facturar sete milhões de euros por ano a partir da fábrica que inaugurou em Maio de 2013. As vendas fazem-se nos supermercados e nos restaurantes, mas também em prateleiras mais inesperadas. Nos tchovas, as bancas ambulantes de duas rodas que decoram cada esquina da capital e que sustentam milhares de famílias, há Compal de pêra rocha ou Sumol de maracujá, os mais vendidos, à mistura com a fruta.
A empresa ofereceu-lhes as bancas decoradas por uma questão “de imagem, de posicionamento” e encontrou assim uma nova forma de chegar a uma fatia importante dos consumidores, explica Fernando Oliveira, que era o responsável pelos mercados internacionais da Sumol+Compal e está à frente do projecto moçambicano desde Julho de 2013.
O investimento no país, naquele que foi o primeiro passo na produção fora de Portugal, veio dar uma segunda vida ao edifício de 5000 metros quadrados que chegou a ser descrito como um “elefante branco” por aquelas bandas. O grupo, que também tem uma fábrica em Angola desde 2015, ficou com as antigas instalações da Lactogal e hoje celebra-se cada conquista num cronograma que começa a dar vida às labirínticas paredes assépticas do edifício. A última é a introdução das embalagens de doses individuais no mercado, com um investimento de meio milhão de euros.
Nestes três anos e meio, a Sumo+Compal já destinou cerca de dez milhões de euros a Moçambique, onde entrou com um sócio local que neste momento detém apenas uma participação de 1% na subsidiária. A par da dificuldade de entrar num mercado em que a venda ambulante domina, a qualidade continua a ser outro importante desafio. “Temos de ter a certeza de que tudo é igual ao que fazemos em Portugal, o que implica usarmos os mesmos procedimentos e as mesmas matérias-primas”, assegura o administrador.
Ameixa e goiaba
Há 15 sabores de Compal e Gud a serem produzidos directamente na fábrica – os mais recentes são os sumos de ameixa e goiaba, embora a fruta já chegue processada. Mas outros produtos, como o Essencial, não chegarão sequer a entrar neste mercado, mesmo que por via da exportação (que começou em 2003). “O prazo de validade não permite trazer para cá esse produto e também é muito complexo de produzir”, explica. Também o Sumol e o Bongo são importados de Portugal para Moçambique.
O gestor não esconde que “gostava de já ter feito mais em Moçambique”. Mas, ainda assim, há números que impressionam: as vendas triplicaram desde que a fábrica foi inaugurada, a quota de mercado da empresa ronda os 40% e as 12 pessoas que inicialmente contraram já vão em 90, a maioria das quais moçambicanas e algumas ex-funcionárias da Lactogal. Uma parte trabalha no laboratório onde são testadas as fórmulas e o produto final que chega às lojas.
Bruno Cipriano, director de operações, admite um certo orgulho de hoje já poder dizer que coordena uma equipa de profissionais qualificados, com formação superior – algo que, de início, parecia difícil de encontrar no país. Há um grupo fixo de cerca de dez portugueses, mas também há muitos que vêm por temporadas curtas e deixam a sua experiência. “Não é só com cursos que lá vamos”, frisa este responsável, o primeiro quadro da Sumol+Compal a chegar ao país para montar o projecto, ainda em 2011 .
Um outro constrangimento tem sido encontrar matérias-primas, num país que se habituou a depender do estrangeiro para quase tudo. “Não há muita preocupação em desenvolver indústrias de valor acrescentado”, lamenta Fernando Oliveira, dando como exemplo as dificuldades em comprar açúcar refinado, que, além de ser um bem escasso, tem os preços inflacionados porque existe “uma espécie de monopólio na distribuição”. Até mesmo as embalagens de Compal vêm todas de Portugal.
A fruta também é toda comprada fora, já preparada, porque ainda não há como fazer o processamento. Chega à fábrica em vuluptuosos bidões azuis, de onde transpira um intenso cheiro a sumo. O administrador acredita que este panorama mudará “dentro de alguns anos” para permitir “que seja incorporada mais matéria-prima local” desde a raiz da produção dos sumos. Agora, é de Portugal que vem a maioria da fruta usada em Moçambique, mas também é importada da África do Sul e da América do Sul. “Aqui habituaram-se a consumir estrangeiro, mas isso tem mudar”, conclui.
Sumo sempre protegido
Dos bidões, a fruta triturada que esteve guardada numa das duas câmaras de frio segue para os depósitos onde é misturada com as doses certas de água e de açúcar. É já em estado líquido que navega pelos tubos que percorrem os tectos da fábrica até chegar à pasteurização, a temperaturas suficientemente elevadas para eliminar todos os microorganismos. Antes de chegar à embalagem, é feito um arrefecimento abrupto, passando de 96 para 23 graus em milésimos de segundos. Até que chega à máquina que despeja a quantidade certa para cada embalagem, que corta ao tamanho programado e deixa pronta a selar com uma tampa. Em todo o processo, o sumo está sempre protegido. Só voltará a ver-se quando for aberto para consumo.
A Sumol+Compal arrancou no país com duas linhas de enchimento, a que se somaram outras duas e ainda a linha de produção de unidoses de 200 ml. Neste momento, são produzidos anualmente 6,5 milhões de litros de sumo na fábrica. O objectivo é atingir 18 a 20 milhões dentro de três anos, embora haja capacidade para chegar aos 35.
O ritmo terá mesmo de acelerar, por exigência do mercado sul-africano. É que o grupo acaba de conseguir uma certificação de qualidade (a Food Safety Audit) que lhe abriu as portas para as lojas neste país. Neste momento, apenas 5% da produção segue para exportação e a África do Sul já é o maior cliente. “Essa fasquia vai aumentar agora”, garante Fernando Oliveira. E assim também aumentará o contributo que Moçambique hoje dá ao grupo em termos de vendas (cerca de 2%).
Um dos grandes projectos para o próximo ano é o arranque da produção do Compal Vital no país, o que implicará novos investimentos. A fábrica em Boane, que convive diariamente com uma concorrência desorganizada mas feroz, não consegue ainda dar lucros. Mas o administrador acredita que 2016 já poderá ser um ano positivo em termos operacionais, no saldo entre as receitas e as despesas.