Maria, José e o menino: o nascimento do primeiro filho
Um bebé precisa tanto de amor como de pais e mães capazes de impedir relações fusionais, nas quais bebé e mãe (quase sempre) perdem a sua diferenciação ou acontecem desligamentos graves (entre o pai e o bebé ou entre pai e mãe) difíceis de reparar.
O dia de Natal, festa cristã santificada, é amplamente festejado por todos, mais ou menos católicos, mais ou menos religiosos, transformando-se numa época de celebração da família, da união e dos afectos.
Apesar do aparecimento de novos ícones natalícios como o Pai Natal e a árvore enfeitada, a “sagrada família”, Maria, José e menino Jesus, mantém um papel de destaque na celebração da quadra, e a presença do presépio, mais ou menos modernizado, ajuda a recordar que o Natal, que significa nascer, celebra o nascimento de um menino.
O Natal é por isso a história de um casal que, no seu ciclo de desenvolvimento familiar, inicia uma nova fase: a fase correspondente à família com filhos pequenos.
A família com filhos pequenos
O ciclo vital da família corresponde a uma sequência de fases previsíveis pela qual as famílias nucleares tendem a passar no seu processo de crescimento e desenvolvimento. A fase da família com filhos pequenos sucede à fase de formação do casal e é anterior à entrada dos filhos na escola.
Quando dois se transformam… num turbilhão!
O nascimento dos filhos, sobretudo do primeiro, não é apenas acrescentar ao casal que já existe mais um elemento.
A conjugalidade tem de encontrar espaço para encaixar a criança-bebé e o equilíbrio anterior dos dois em relação (dos dois a viver juntos, dos dois mais as famílias de origem) é afectado e ferido de morte: não é possível retomar esse equilíbrio. É preciso encontrar um novo.
O bebé entra num espaço entre a mãe e o pai, entre mulher e homem, fundamental para o seu desenvolvimento saudável, para a sua vinculação segura, para a sua relação com o mundo, e precisa, tanto como de amor, de pais e mães capazes de impedir relações fusionais, em que bebé e mãe (quase sempre) perdem a sua diferenciação ou desligamentos graves (entre o pai e o bebé ou entre pai e mãe) difíceis de reparar.
Os novos papéis parentais
A presença de um filho altera as rotinas e as tarefas familiares e individuais dos pais. Lutar contra estas alterações, não aceitar que é preciso mudar, implica que um dos elementos acabe sobrecarregado, insatisfeito e desiludido. Atingir um equilíbrio satisfatório, para todos, implica uma partilha das novas tarefas e das novas responsabilidades. Socialmente, têm sido implementadas medidas para que mães e pais tenham os mesmos direitos em relação à maternidade. Para que tenham as mesmas responsabilidades, é preciso alterar mentalidades…
Do ponto de vista psicológico, o pai tem de ser Pai: tirar o bebé dum colo materno demasiado apertado, alimentar, cuidar, adormecer, acordar (adormecer outra vez para voltar a acordar!), ligar-se emocionalmente e criar condições para que a criança se vincule também a si. Tem de ser de confiança: para o bebé e para a mãe.
A mãe tem de ser… uma Mãe que liberta, uma mãe que entende o desenvolvimento do seu filho enquanto processo de autonomia progressiva e que sendo presente, próxima e investida, se apoia na confiança que o pai transmite para conseguir ser pessoa e mulher, sem se perder na maternidade.
Como conciliar a parentalidade com a conjugalidade?
Tanto a conjugalidade como a parentalidade são afectadas por mitos e estereótipos que acabam por criar expectativas irrealistas e culpabilidade. Nesta fase em que, pela primeira vez, estas duas dimensões se cruzam, é fundamental que o casal reforce a comunicação. É importante que cada um encontre forma de dizer ao outro o que precisa, o que estava à espera, o que está a correr bem e o que está a correr mal.
A existência de sentimentos contraditórios em relação à parentalidade é normal. Ter um filho também é deixar de ter outras coisas: ganhamos e perdemos, por isso é bom e mau. Chegar a um novo equilíbrio saudável implica sentir que o que entra na nossa vida é mais importante do que o que sai.
Os primeiros tempos da parentalidade implicam uma grande orientação para este núcleo a três (e depois a quatro, cinco… se nascem outros filhos) mas progressivamente deve surgir espaço e tempo para:
— o casal, reinvestindo do ponto de vista amoroso e sexual,
— o individual, para o que cada um precisa fora deste núcleo, incluindo o campo profissional,
— e para o exterior, retomando ou encontrando actividades com outros elementos fora da família.
Promover a autonomia das crianças, para que consigam estar só com a mãe, só com o pai, ou com outros elementos da rede social, avós, tios, amigos que são tios ou babysiters, permite encontrar o espaço e tempo para este complexo equilíbrio de necessidades.
E quando se consegue este equilíbrio? Entrada dos filhos na escola e início da adolescência de seguida! Ninguém disse que seria fácil, mas pode ser muito bom.
Feliz Natal!
Psicólogo clínico e terapeuta familiar / CAdin