RBI e Estado social, resposta a Francisco Louçã

É uma alternativa ao assistencialismo do Estado social, em que as pessoas em situação de pobreza se têm de subjugar a sistemas burocráticos ineficazes, opressivos e degradantes, que destroem a dignidade.

A 4 de Fevereiro, Francisco Louçã publicou um artigo onde formula três objeções ao Rendimento Básico Incondicional (RBI): a experiência a decorrer na Finlândia é uma armadilha;o RBI é impossível de financiar sem pôr em causa o Estado social; e um RBI para ricos e pobres é uma ilusão.

Comecemos pela objeção à experiência da Finlândia. Segundo Louçã, os desempregados que fazem parte desta experiência ficariam a receber apenas 560 euros por mês, e deixariam de receber o subsídio de desemprego a que têm direito. Há aqui um erro de compreensão, como pode ser verificado neste vídeo do Instituto Kela. A experiência não é só dar 560 euros e ver o que acontece. A diferença fundamental é que da quantia total do subsídio de desemprego (que varia, sendo a média do subsídio de base de 697 euros), 560 euros passam a ser incondicionais: se o trabalhador encontrar um emprego, deixa de receber a quantia total do subsídio de desemprego, mas continua a receber o RBI de 560 euros. Esclarecido este ponto, devemos notar que o estudo piloto da Finlândia é limitado nos objetivos pois dirige-se a uma questão muito específica embora fundamental: será que um RBI, que se adiciona ao salário do emprego, motiva as pessoas a saírem da armadilha do desemprego? A ideia original do Kela não era apenas fazer um estudo a desempregados, mas um mais alargado. Mas, o processo de negociação política entre os partidos acabou por levar a esta perspectiva limitada. Seja como for, Louçã tem razão pois o RBI é uma política flexível que pode ser levada pela direita e pela esquerda por caminhos diferentes. Mas esta observação, embora justa, é trivial, pois não sucede o mesmo com a generalidade das políticas públicas?

Passemos à segunda objeção, segundo a qual é impossível financiar sem pôr em causa o Estado social. Para Louçã, um RBI em Portugal custaria à volta de 105 mil milhões de euros. Esta conta assume que um RBI português seria igual ao francês. Mas em Portugal fala-se de um RBI de 450 euros, o que custaria 54 mil milhões. Na realidade, o necessário para implementar um RBI poderá ser inferior a 54 mil milhões: será grosso modo equivalente ao número de trabalhadores com salários baixos, ou médios baixos e precários. Em todo o caso, é certo que devemos ter prudência para que o RBI não seja pretexto para desmantelar o Estado social, devendo exigir que sirva o propósito inicial (desde que foi proposto em 1516, por Thomas More, no seu livro Utopia) de realizar maior justiça social.

O que nos conduz à terceira objeção que consiste em defender que é contra um RBI para ricos e pobres, pois “não somos todos iguais”. Contudo, na maioria dos modelos de financiamento propostos para o RBI, os impostos aumentam nos escalões de rendimento mais altos, por isso, embora todos o recebam, nem todos beneficiam simultaneamente do RBI. Scott Santens, num artigo do World Economic Forum, formula a seguinte metáfora para explicar o universalismo do RBI - os cintos de segurança. Instalamos cintos de segurança nos carros, mas só quem tem um acidente é que o usa. Da mesma forma, o RBI seria distribuído por todos, mas só faz realmente a diferença quando o nosso salário baixa ou desaparece.  O RBI é uma política de (re)distribuição da riqueza, não um milagroso maná vindo do nada. No entanto, o RBI é realmente uma alternativa ao assistencialismo do Estado social a que chegámos, em que as pessoas em situação de pobreza se têm de subjugar a sistemas burocráticos ineficazes, opressivos e degradantes, que destroem a dignidade. Veja-se o último filme do Ken Loach, Eu, Daniel Blake, ilustração rigorosa do que um RBI pode evitar. Estas e outras questões serão debatidas no 17.º congresso mundial sobre o RBI, na Assembleia da República em Setembro de 2017.

Roberto Merrill, investigador no Grupo de Teoria Política e professor auxiliar convidado no Departamento de Filosofia da Universidade do Minho. Sara Bizarro, investigadora no Grupo de Teoria Política da Universidade do Minho, membro associado do Ifilnova.



 

 

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