Na véspera de eleições cruciais na Europa, aumenta a influência dos sites de direita radical
As redes sociais e os motores de busca só precisam de uma história que gere algum interesse para lhe dar um impacto ainda maior. Se são ou não verdade, pouco importa.
As manchetes nesta nova página online de notícias sobre política podiam ter sido arrancadas de um discurso do Presidente Trump: os imigrantes cometem mais crimes, os imigrantes sírios andam a violar meninas e a educação muçulmana está a invadir o sistema educativo.
No entanto, a página Gatestone Europe, com dois meses de existência, está sediada na Holanda e os seus colaboradores são holandeses. O objectivo é, segundo o editor, causar uma viragem no debate antes das eleições europeias deste ano, de forma a colocar uma vaga de líderes anti-imigração no poder na Holanda, em França, na Alemanha e noutros países.
Os sites dedicados aos perigos causados pelas fronteiras abertas, pela imigração e pelas alianças internacionais estão a expandir-se em termos de alcance e de ambição na Europa, ao verem uma oportunidade rara de aproveitar a energia da vitória de Trump para se afirmarem num continente onde os partidos políticos tradicionais atravessam dificuldades. Alguns destes sites estão registados na Rússia. Outros, como o Gatestone Europe, são apoiados por americanos com ligações a Trump.
Na Holanda, alguns activistas online apoiam um pequeno grupo de candidatos anti-muçulmanos, incluindo o polémico Geert Wilders, que concorre taco a taco com o partido do poder nas vésperas das eleições de 15 de Março. Em França, blogues de notícias espalham insinuações sobre os rivais da candidata anti-imigração Marine LePen, que é a candidata presidencial mais popular no período que precede as eleições de Abril e Maio. Na Alemanha, algumas destas plataformas espalharam histórias falsas sobre refugiados que cometiam violações, que foram depois repetidas pelo ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia. Alimentado pela ira popular em relação aos refugiados, o partido contra os muçulmanos Alternativa para a Alemanha parece estar destinado a conquistar mandatos no Parlamento alemão, em Setembro.
“Há muitas notícias, bastante chocantes, que muitas vezes envolvem violações ou violência e imigrantes”, afirma Timon Dias, de 29 anos, que abriu o Gatestone Europe no mês passado, depois de vários anos a escrever para outra página anti-establishment na Holanda. “Queremos que as pessoas saibam o que se passa na Europa e que votem em conformidade com isto, principalmente antes das eleições deste ano.”
Muitos destes sites são de pequenas dimensões – por exemplo, o Gladstone Europe, de Amesterdão, conta apenas com quatro escritores e não tem sede – mas eles não precisam de estar bem consolidados para marcar pontos no Facebook ou no Twitter. Uma publicação picante pode tornar-se viral sem que se tenha em grande consideração a história da plataforma.
“É uma maneira de abrir o sistema”, afirma Dias. “A corrente principal é altamente vigilante e muitíssimo crítica em relação aos efeitos de ter uma população muçulmana significativa nos centros urbanos.”
O projecto é financiado pelo Instituto Gatestone, sediado em Nova Iorque. Este é presidido pelo antigo embaixador da ONU John Bolton, que foi um dos finalistas da busca de Trump por um novo conselheiro de segurança nacional. Quando contactado para comentar, o Instituto Gatestone pôs à disposição um dos membros da direcção, Alan Dershowitz, professor reformado da Faculdade de Direito de Harvard. Este afirmou que a organização é apartidária e que tem como objectivo “mover a discussão para o centro”. Bolton não respondeu ao pedido para comentar.
Como acontece com outros sites parecidos, muitas das publicações do Gatestone baseiam-se em acontecimentos reais, reinterpretados de forma agressiva de modo a alimentar a narrativa segundo a qual os políticos convencionais e pró-União Europeia estão a entregar os seus países aos imigrantes. A página não apoia nenhum candidato às eleições holandesas, mas Thierry Baudet, o líder antieuropeu do pequeno partido Fórum para a Democracia, é um dos seus colaboradores. “Nós apresentamos as notícias aos nossos leitores de uma maneira direccionada,” afirmou Dias.
É provável que Wilders tenha dificuldades em formar uma coligação e prevê-se que Le Pen perca a segunda volta das eleições presidenciais francesas, mas os dois candidatos têm conseguido desviar o debate nos seus países para um domínio que é mais anti-imigração e eurocéptico. As páginas de extrema-direita na Internet funcionam muitas vezes como os seus altifalantes.
Na Holanda, plataformas de notícias semelhantes já realizaram incursões bem-sucedidas na vida política holandesa. O referendo realizado no ano passado para decidir se o governo holandês deveria ratificar um acordo comercial com a Ucrânia foi desencadeado pelo GeenStijl, um site de notícias de extrema-direita.
A posterior rejeição do acordo comercial tornou-se numa derrota embaraçosa para o governo holandês, que foi obrigado a recuar no seu compromisso com a Ucrânia. Os opositores ao acordo comercial, incluindo o GeenStijl, apontaram como razões para votar contra a sua oposição à expansão da UE e a vontade de não antagonizar o Kremlin.
Membros da campanha a favor do acordo com a Ucrânia afirmam ter suspeitas de que o Kremlin interferiu no referendo ao apoiar activistas e trolls pró-Rússia, mas não existem provas de nenhuma relação entre estes. Os activistas, incluindo os que estão associados ao GeenStijl, negam a existência de quaisquer ligações deste tipo.
Contudo, mesmo na ausência de laços com a Rússia, os sites de notícias demonstraram ter uma capacidade poderosa de perturbar a agenda pró-União Europeia da tendência maioritária na Holanda, criando uma dor de cabeça política para os líderes holandeses e alimentando uma desunião ocidental que coincide com os esforços do Kremlin.
“O referendo sobre a Ucrânia demonstrou o caos que eles são capazes de criar,” afirmou Cas Mudde, um holandês que investiga movimentos de extrema-direita na Universidade da Geórgia. “O que impressionou muita gente foi a capacidade deles para mobilizar as pessoas que escreviam comentários na internet para virem para a rua e efectivamente votarem por uma causa. As pessoas não estavam à espera disso.”
Actualmente, o braço político do GeenStijl, o GeenPeil – que significa “nenhuma sondagem” em neerlandês – expandiu-se para se tornar um partido político e apresenta-se às eleições parlamentares com a promessa de responsabilizar os líderes holandeses.
“Até à minha geração, toda a gente tinha uma vida melhor do que os pais. Isso acabou”, disse Jan Dijkgraaf, de 54 anos, um antigo jornalista que agora é o líder do GeenPeil. Este afirmou que não se considerava um político de extrema-direita, mas aproveitou-se do facto de a imigração ser uma preocupação principal para os eleitores holandeses.
Dijkgraaf disse que compreendia que uma mãe de três filhos precisasse de refúgio temporário da guerra. “Mas quando há rapazes de 25 anos com uns músculos assim, temos que pensar: será que eles são mesmo vítimas de uma guerra, ou será que têm planos para enriquecer ou para fazer alguma coisa em Bruxelas ou em Paris?”
O referendo da Ucrânia deu origem a vários partidos políticos, a maioria dos quais têm tido dificuldades em ultrapassar o domínio que Wilders tem sobre o discurso anti-imigração na Holanda.
Wilders já usava o Twitter para gerar indignação e publicidade muito antes de Trump se ter virado para a política eleitoral. No mês passado, um tweet da autoria de um dos seus principais opositores políticos, Alexander Pechtold, inserido através de Photoshop numa manifestação pró-sharia em Londres dominou a cobertura política durante dias. Posteriormente, Wilders reconheceu que a fotografia era falsa, mas disse que Pechtold tinha estado recentemente numa manifestação parecida.
“Eles não se importam com o que é realmente verdadeiro, só um pouco verdadeiro, ou falso”, disse Pechtold. “E, claro, é isso que vimos nos Estados Unidos.”
No universo da Internet de extrema-direita, a imagem falsa não provocou nenhum alvoroço. “É uma forma de falar com as pessoas”, disse Bert Brussen, editor do ThePostOnline, outro site de extrema-direita cujas manchetes de artigos recentes incluíram “Iraquianos julgados por violação em grupo em Viena” e “Massacre do terrorismo islâmico voltou a ser evitado na Alemanha”.
“Muito do que Wilders diz é linguagem da Internet”, disse Brussen. “A Internet torna-os mais fortes, e eles tornam a Internet mais forte.”
Máquinas para minar políticos
Noutros países que vão a eleições este ano, os sites de extrema-direita também proliferam, chamando a atenção de algumas das plataformas americanas que ajudaram a levar Trump à vitória. No ano passado, a Breitbart News – cujo antigo líder, Stephen K. Bannon, é agora o principal estratega de Trump – declarou que iria entrar nos mercados francês e alemão, mas até agora ainda há poucos sinais de que está a preparar-se para abrir.
No entanto, os activistas anti-establishment nesses países podem precisar de alguma ajuda.
Em França, onde a candidata de extrema-direita Le Pen pretende assumir uma posição dura face à imigração muçulmana, convocar um referendo sobre a adesão à União Europeia e promover relações com o Kremlin, os sites de notícias de extrema-direita têm se virado contra todos os candidatos que parecem ter maior probabilidade de desafiar Le Pen na segunda volta das eleições presidenciais, que se realizarão a 7 de Março. (Espera-se que Le Pen vença a primeira volta.)
Durante meses, o alvo foi o candidato de centro-direita François Fillon. Mais recentemente, o crescimento do centrista Emmanuel Macron atraiu uma chuva de ataques por parte de sites que fomentam boatos, alguns dos quais são ramos dos meios de comunicação estatais da Rússia. Recentemente, Macron confrontou os rumores, gracejando que a sua aparente capacidade de ter casos homossexuais espantava a mulher, que costuma estar ao lado dele.
Na Alemanha e na Áustria, peritos afirmam que, actualmente, estão em actividade cerca de 30 “websites alternativos” em língua alemã. Muitos destes existem há anos, mas transformaram-se em máquinas para minar políticos tradicionais, sobretudo desde o início da crise dos refugiados na Europa.
Segundo os especialistas, a maioria destas páginas têm tendência a apresentar uma estrutura de propriedade pouco transparente, o que torna complicado determinar quem está por trás deles. Praticamente todos têm um tom pró-Rússia, embora seja difícil encontrar ligações directas ao governo russo. “Eles publicam histórias com um fundo de verdade, construindo a sua própria atmosfera à volta deste fundo, o que chamamos um ‘falso híbrido’”, disse Andre Wolf, um porta-voz do Mimikama, um site de verificação de factos sediado na Áustria.
Muitas das histórias parecem destinadas a prejudicar a candidatura da chanceler alemã Angela Merkel à reeleição, no dia 24 de Setembro. Porém, à medida que o seu oponente de centro-esquerda, Martin Schulz, foi subindo nas sondagens nas últimas semanas, apareceu uma vaga de notícias falsas – incluindo uma da autoria da página AnonymousNews.ru que alegava, de maneira falsa, que o pai de Schulz tinha dirigido um campo de concentração nazi.
Em toda a Europa, disse Dias, a possibilidade de mudança está viva. “As pessoas sentem como são épicos os tempos em que vivem”, disse. Com Annabell Van der Berghe em Amesterdão, Anthony Faiola em Berlim e James McAuley em Paris