Epidemia de heroína nos EUA faz renascer a ideia das escolas de recuperação
Phoenix, no estado de Maryland, foi pioneira a oferecer um programa específico para alunos com problemas de álcool e droga. Escola fechou há quatro anos, mas a crise no consumo de opiáceos voltou a tornar o modelo actual.
Kevin Burns acredita que a escola lhe salvou a vida. Chegou lá com 14 anos, acabado de sair da reabilitação, e diz que era exactamente aquilo de que precisava: um lugar onde jovens com problemas de álcool e drogas podiam manter-se no caminho da recuperação enquanto trabalhavam para concluir o secundário. “Não tenho dúvidas de que mudou o rumo de tudo o que eu andava a fazer”, diz Burnes, actualmente professor de música e músico.
A escola que fez a diferença chama-se Phoenix, no condado de Montgomery, no estado de Maryland, que terá sido a primeira do género nos Estados Unidos. Abriu em 1979, por causa das preocupações com o uso de drogas entre os alunos e funcionou durante décadas até que fechou portas há quatro anos, num período de incerteza sobre os currículos alternativos.
Agora o conceito pode estar de regresso, e os dirigentes escolares estudam a possibilidade de criar novas escolas com programas de “recuperação” face à atenção gerada pela verdadeira epidemia de heroína e outros derivados de ópio no país. Em Montgomery, há quem questione os custos e a eficácia deste tipo de escola, mas outros defendem que o programa resultou bem no passado e pode ajudar quem luta agora contra a toxicodependência.
“Creio que existe uma necessidade e acho que teríamos alunos suficientes para fazer disto um sucesso”, dizRebecca Smondrowski, da direcção escolar do condado e responsável por um grupo que está a analisar o problema naquele distrito escolar que, com 159 mil alunos, é o maior de Maryland.
No seu auge, Phoenix tinha dois campus e oferecia ensino convencional juntamente com terapia de grupo, testes de drogas aleatórios, programas de 12 passos e aprendizagem experimental ao ar livre. O envolvimento dos pais era obrigatório e o número de alunos era baixo, cerca de 50 por ano, divididos entre Gaithersburg e Silver Spring.
“Conheço milhares de miúdos que cumpriram o programa e mudaram de vida”, disse Mike Bucci, professor na escola durante 20 anos.
Existem actualmente 38 escolas secundárias com programas de recuperação nos Estados Unidos, diz Andy Finch, um investigador da Universidade Vanderbilt. Espera-se que abram mais cinco ou seis no próximo ano, acrescentou, e há uma série de propostas em fase inicial, incluindo uma em Washington, D.C..
O impulso por trás deste entusiasmo, segundo Finch, é a crescente consciencialização em torno toxicodependência, o surto de mortes relacionadas com o consumo de opiáceos e um documentário recente sobre este tipo de escolas, intitulado chamado “Generation Found”. “Não me lembro de nenhuma época em que houvesse tanto interesse em abrir escolas destas”, afirma.
Em Montgomery, os alguns dirigentes escolares estão a estudar várias opções para fazer renascer uma escola de recuperação, mas ainda não foi tomada nenhuma decisão. A direcção escolar do condado deverá discutir o assunto nos próximos meses.
“Só queremos voltar a ter a escola – ela nunca devia ter fechado”, disse Patty Winters, a líder de um grupo chamado Phoenix Rising: Apoiantes das Escolas de Recuperação de Maryland, que defende uma nova versão da escola antiga.
Estado de emergência
O governador Larry Hogan, do Partido Republicano, declarou estado de emergência no estado por causa da crise associada ao consumo de opiáceos e comprometeu-se a investir mais 50 milhões de dólares ao longo de cinco anos para melhorar as acções de prevenção o tratamento.
Em Montgomery, as mortes relacionadas com o consumo de heroína e outros derivados do ópio aumentaram 40% em 2016 face ao ano anterior entre os maiores de 18 anos.
Embora os alunos até ao 12º ano não estejam incluídos nesta estatística, as idas às urgências nos hospitais de Montgomery relacionadas com o consumo de droga aumentaram entre os jovens com idades entre os 6 e os 18 anos – de 411 em 2013, para 493 em 2015, um aumento de 20%, diz Raymond Crowel, chefe dos serviços de saúde e situações de emergência do condado.
“Eu diria que pelo menos parte disto tem a ver com o aumento do consumo de opiáceos.”
Crowel defende uma investigação mais rigorosa sobre as escolas de recuperação e questiona se estas serão a resposta mais eficaz em termos de custo, ou se ter intervenções em escolas secundárias normais não serás uma melhor opção. “O diabo esconde-se nos pormenores”, alerta.
A nível nacional, muitas escolas de recuperação recebem entre 20 e 45 alunos, com um custo médio que ronda os 12 mil a 20 mil dólares por estudante, disse Sasha McLean, presidente da direcção da associação que representa estas escolas e directora executiva da Archway Academy, em Houston.
Quando a Phoenix começou, não havia nenhum exemplo sobre aquilo que funcionava melhor, diz Brian Berthiaume, coordenador do programa inicial. A escola foi tendo mais sucesso à medida que acrescentou testes de drogas aleatórios e programas de 12 passos, tais como os adoptados pelos Alcoólicos Anónimos. Muitos alunos completaram o programa e concluíram o ensino secundário.
Mas com o passar dos anos, o apoio ao modelo original foi diminuindo, explica Berthiaume. Alguns funcionários saíram, ao sentir que a escola tinha perdido a sua vocação, contou Bucci, que foi professor durante vários anos. Phoenix acabou por ser consolidada com outros programas alternativos e, quando encerrou, só tinha três alunos inscritos.
Bertiaume diz que é importante que uma nova escola receba apoios sólidos por parte das direcções escolares e das administrações: “Espero que desta vez tenha um apoio mais consistente das chefias.”
Há estudos que começam a revelar resultados promissores para alunos em tratamento que frequentam estas escolas, diz Finch, da Universidade de Vanderbilt. Num projecto conjunto com mais três investigadores de outras universidades, Finch descobriu que as taxas de recaída são significativamente mais baixas para estes alunos.
Apesar de não se ter feito nenhuma avaliação académica sobre a eficácia de Phoenix, Finch diz que a escola parece ter tido êxito. “Na educação, não se encontram programas que durem tanto tempo a não ser que estejam a funcionar ou a fazer as coisas bem”, acrescenta.
Histórias de sucesso
Os antigos alunos recordam a importância da comunidade centrada na recuperação que a escola tinha, para além dos velhos amigos e dos maus hábitos. Na Phoenix, havia outros adolescentes que estavam a tentar manter-se “limpos” – permaneciam na Phoenix durante um ano ou dois e depois regressavam às suas escolas de origem ou completavam o secundário.
Henry Bockman, de 48 anos, que frequentou a escola em meados dos anos 80 e agora é empresário na região, recorda-se das actividades destinadas a promover o espírito de equipa durante as visitas ao exterior (escalada, espeleologia, rafting), das reuniões dos Alcoólicos Anónimos e do apoio dos outros adolescentes e dos professores, que se preocupavam em conhecer bem os alunos.
“Aquilo tirava-nos do nosso elemento negativo e punha-nos num elemento positivo”, diz. “Dava-nos mecanismos para enfrentarmos os problemas, para não reprimirmos tudo.”
Lindsay Maines, de 42 anos, que terminou o secundário em 1992 e agora é mãe de quatro filhos, contou que bebia, tomava LSD e estava “num descalabro” antes de chegar a Phoenix, aos 15 anos.
“Foi bastante assustador”, diz. “Mas a escola tinha muita organização e era impossível evitar os problemas que andávamos todos a evitar.” Em retrospectiva, garante, “foi uma grande ajuda ter um grupo de pares que estavam constantemente a tentar fazer as escolhas certas e a ficar sóbrios.”
Maines afirma que, se não fosse a escola não teria completado o secundário. Nem todos os que frequentaram a escola tiveram sucesso, conta, mas acredita que os números são melhores do que teriam sido sem a escola de recuperação. “A Phoenix pegou nestes miúdos em momentos muito críticos e mostrou-lhe que há outras opções”, disse.
Kevin Burnes, de 46 anos, está entre os que se saíram bem. Passou o 10º e o 11º ano na Phoenix, e disse que isto lhe proporcionou – e à sua família – uma saída de uma situação que se tinha tornado complicada.
Brunes bebia, fumava muita marijuana e consumia também “pó de anjo” (fenciclidina), que era popular na altura. Os pais mandaram-no para a reabilitação e depois insistiram que fosse para Phoenix, como condição para poder voltar para casa. Ambos os pais estavam envolvidos na escola. “Para mim, a razão do sucesso da escola era ter um único objectivo”, diz. “Sem aquele ambiente, provavelmente eu teria voltado a fazer o que andava a fazer.”
Exclusivo PÚBLICO/Washington Post