Mohsin Hamid: o thriller ético para a época contemporânea

Actualizou o lugar que já foi ocupado por Graham Greene, mostra que é possível escrever thrillers éticos para a época contemporânea. Exit West, finalista do Man Booker, é também uma história de amor. Num mundo irrevogavelmente transformado pelas migrações.

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Exit West, o novo livro: a história acompanha um casal de jovens num país de que não se sabe o nome, quando a cidade onde vivem entra em colapso e eles se vêem forçados a juntar-se a uma vaga de emigrantes que fogem para salvar as suas vidas Daniel Zuchnik/Getty Images

Mohsin Hamid parece saber antes de nós aquilo de que se vai falar. Quer se trate dos testes nucleares no Paquistão (Moth Smoke) ou o problemático relacionamento entre os Estados Unidos e o mundo muçulmano após o 11 de Setembro (O Fundamentalista Relutante, Civilização, 2013), ou a libertação das tensões internas no rescaldo da nova economia da Índia (How to Get Filthy Rich in Rising Asia), Hamid apercebeu-se das notícias que se mantêm actuais em forma de livro.

Ao fazer isto, Hamid actualizou o lugar que já foi ocupado por Graham Greene e mostrou que é possível escrever thrillers éticos para a época contemporânea sem cair na armadilha do exotismo que permeia a obra de Greene ou a simplicidade tipo “o império contra-ataca” de escritores que resistiam às noções de domínio e cultura daquele autor britânico.

Exit West, o último romance de Hamid (publicado recentemente nos Estados Unidos), é finalista do prémio Man Booker e, tal como todos os seus livros, é uma história de amor. A história, situada num mundo irrevogavelmente transformado pelas migrações, acompanha um casal de jovens num país de que não se sabe o nome, quando a cidade onde vivem entra em colapso e eles se vêem forçados a juntar-se a uma vaga de emigrantes que fogem para salvar as suas vidas.

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Andrew H. Walker/Getty Images

Conversámos com Hamid por email enquanto o escritor fazia o trajecto entre Nova Iorque e Londres e depois até sua casa.

Moth Smoke desenrola-se em Lahore antes dos testes nucleares de 1998. O Fundamentalista Relutante passa-se em Lahore e Nova Iorque, mas aborda mais a forma como os bairros sociais dessas cidades se vêem uns aos outros. Não se sabe em que país decorre How to Get Filthy Rich in Rising Asia, e agora neste novo romance, Exit West, estamos num país de que não se sabe o nome e onde as leis da realidade se estão a alterar. O que o levou a entrar num lugar que pode ser em qualquer sítio e que não obedece às leis da Física, se assim o podemos dizer?
Sempre me senti pouco confortável com o realismo puro e duro. Os romances não são realidade: são palavras, inventadas. E tanto a moderna neurociência como as antigas religiões nos ensinam que aquilo a que chamamos realidade também não é real. Nos meus primeiros três livros alterei a realidade, especialmente através de esquemas de enquadramento, as histórias de como as histórias estavam a ser contadas. Desta vez, o relaxamento das leis da Física, em apenas uma forma específica, muito particular, abriu espaço para a história. Por vezes a “não-realidade” pode parecer mais real. (Agora que pensamos nisso, este poderia ser o programa eleitoral de Donald Trump.) E quanto ao facto de não dar nome aos locais, deve-se em parte a eu não suportar fazer a Lahore o que acontece à cidade no início deste romance, e em parte porque, num tempo de imensa censura, chamar a atenção para o silêncio de alguém pode ser mais honesto do que outras formas de expressão. Queria que este romance fosse acerca de refugiados que nos lembrassem de que somos todos refugiados. Um pouco de anonimato e de alteração das leis da Física conseguiu ser muito eficaz.

Uma das frases que me levaram algum tempo a recuperar termina com “quando emigramos, assassinamos das nossas vidas aqueles que deixamos para trás”. Pode dizer-nos um pouco mais acerca disto no contexto das vidas das personagens de Saeed e Nadia e o que sentiu enquanto alguém que migrou e migra frequentemente?
Para Saeed e Nadia, abandonar a sua cidade significa também abandonar as pessoas que eles amam, especialmente o pai de Saeed. Existe uma violência emocional neste aspecto da emigração, o aspecto de uma pessoa se cortar, se separar das pessoas de quem é íntimo mas que agora ocupam uma realidade geográfica diferente, talvez para sempre. Muitas vezes senti que estava a trair a minha família, os meus amigos mais íntimos, quando emigrava. Especialmente os meus pais, e quanto mais idosos eles ficavam, mais agudamente eu sentia isso.

Creio que um dos grandes traços morais neste livro – e como ele aponta para o nosso mundo – é a simultaneidade. Ou seja, vivemos num espaço temporal de simultaneidade – criado pela Internet e por notícias 24 horas por dia – mas também de experiências profundamente diversificadas. Num minuto – como no seu livro – pode haver pessoas a aceitarem produtos alimentares doados para o pequeno-almoço num campo de refugiados, enquanto a cozinha de um oligarca em Londres, que está quase sempre vazia, vai ser completamente abastecida de comida e criados para a possível chegada do milionário, vindo de uma das suas muitas moradias. Será que a movimentação destas pessoas de um lugar para outro torna esta situação menos frágil?
A movimentação de pessoas é uma das formas de expressão destas diferenças simultâneas, destes desequilíbrios. Água fria e água quente querem penetrar uma na outra, equilibrando a temperatura. As pessoas querem fazer a mesma coisa. Quanto mais as pessoas congeladas e precárias a nível económico ficam conscientes de lugares onde as pessoas estão economicamente mais quentes e mais seguras, mais se querem mudar. Neste nosso mundo hiperconectado, simultâneo, as pessoas estão, mais do que nunca, mais conscientes umas das outras e das diferenças de riqueza e de segurança. Isto cria muita raiva, e também cria muita movimentação.

Ao ler o livro fiquei com uma sensação muito forte de que estava a ler o primeiro grande romance pós-"Brexit", com o tipo de atribulações que acontecem nas movimentações de Saeed e Nadia ao longo do mundo, o modo como emigrantes como eles são tratados à chegada, e as forças que são libertadas como resposta nos locais de origem. Quanto deste romance foi afectado pelo clima de reacção à nossa época de migrações face ao facto da emigração em si própria?
Eu percebo que as pessoas tenham receio dos imigrantes. Quando se vive num país rico, é compreensível que se possa recear a chegada de muita gente que vem de longe. Mas este receio é como o racismo: é compreensível, mas necessita de ser contrariado, diminuído, resistido. Nas próximas décadas e nos próximos séculos as pessoas vão-se movimentar em grande número. O nível dos mares vai subir, os padrões de clima vão alterar-se, e biliões de pessoas vão deslocar-se. Precisamos de perceber como construir uma visão para esta realidade que se aproxima uma visão que não seja um desastre, que seja humana e mesmo inspiradora. Parte da paralisia política a que assistimos na América e na Europa provém de um desejo de fingir que essa movimentação de massas não está a chegar. Mas as movimentações de massas constituem a história da nossa espécie e são o provável futuro da nossa espécie e, talvez, talvez, os nossos netos venham a desfrutar muito mais desse futuro do que os nossos avós desfrutaram do passado. Sou um escritor, por isso acredito que existe qualquer coisa mais no contar de histórias do que apenas memórias. Existe mais do que apenas olhar para trás. Podemos relembrar onde estivemos, mas podemos também imaginar onde outros poderão ir.

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