Há algo de muito preocupante no facto de apenas dois grupos — chamemos-lhes assim — de pessoas — o das mulheres e o da comunidade LGBTQ — militarem pelo movimento feminista. Digo “militarem” para não ferir susceptibilidades, pois que na realidade é raro ver um homem heterossexual abrir a boca para condenar muito mais do que a violência de género. Isto é grave porque, por um lado, ilustra a apatia egocêntrica com que os espécimes humanos tratam lutas que julgam não ser as suas e porque, por outro lado, comprova um desconhecimento radical acerca de uma causa que é, na verdade, gender-neutral.
A ignorância relativamente ao feminismo — e ao machismo, consequentemente — não é, óbvia e infelizmente, uma caraterística exclusivamente masculina. Acredito e espero que as antifeministas, por exemplo, assim se identifiquem devido a uma [tola, mas recorrente] confusão entre os princípios feministas e aqueles defendidos por uma espécie de “supremacistas femistas” — ou até mesmo entre os primeiros e algumas suas manifestações que são, por mais espalhafatosas, capazes de atrair mais visibilidade.
Homens e mulheres vivem ainda, para além disso, formatados segundo preceitos machistas, incutidos nos seus lares e instituições envolventes antes mesmo de poderem ter desenvolvido qualquer tipo de pensamento crítico — pouca dose de culpa acarretarão a esse respeito. O que é, entretanto, reprovável é a ignorância — o desinteresse, a moleza, o desdém e o escárnio —, forçosamente premeditada numa altura em que a informação nos é entregue de bandeja. Não se pode, portanto, atribuir a culpa aos tais militantes que transportam a bandeja, se ela de facto não é senão de quem cospe, confortavelmente do seu sofá, que há guerras mais importantes a travar. E, no entanto, parte da nossa luta passa por fazermos uso de todas as armas à nossa disposição — uma delas é a linguagem, a outra é a tolerância.
Compreender que o termo feminismo, quando descontextualizado, pode ser facilmente conotado com o antónimo de machismo é, por isso, quase tão importante como tomar conta da violência que a palavra machismo carrega. Querer que homens e mulheres militem lado a lado por uma sociedade feminista — ou, do mesmo modo, igualitária — deve necessariamente passar pela sua compreensão de que esta não é uma guerra de sexos, que a sociedade machista não é meramente aquela em que os homens dominam, mas antes uma em que eles são ainda profundamente oprimidos por estereótipos, por papéis de género, etc. Não clarificar ou esclarecer o conceito de machismo como aquele que cria uma sociedade que continua a ditar a conduta dos homens, subtraindo-lhes liberdades, é involuntariamente perpetuar a sua culpabilização e adiar um primeiro passo que queiram dar pela sua própria emancipação.
Não esquecendo que uma interpretação abusiva de tais ideias, por via da ignorância, é perigosa e deve ser tratada com tal, possamos nós — as mulheres, a comunidade LGBTQ, os homens conscientes de haver ainda um longo caminho a percorrer em direção à igualdade — dispor da humildade para reconhecer o nosso privilégio. Mantendo a convicção na defesa da nossa causa, possamos não nos esquecer daquela dimensão do machismo que afeta diretamente os homens como alvo elementar da nossa luta, mesmo quando outros o esquecem, e rejeitá-la com as mesmas unhas e os mesmos dentes.