Quando Portugal integrou a União Europeia em 1986, o primeiro-ministro era Aníbal Cavaco Silva e o que fez, entre outras coisas, foi informar os agricultores que a revolução industrial tinha acontecido há mais de 150 anos e que estava na altura de abandonarem as sacholas e as forquilhas. A diabolização "do agricultor" começou a dar-se por todo o lado, os terrenos abandonados em troco de indemnizações aumentaram e os eucaliptos, “o nosso petróleo verde”, como lhe chamou Mira Amaral, começou a emergir em força. O petróleo verde desfez-se em cinzas, como se percebeu, e a fertilidade dos campos portugueses encareceu brutalmente.
Portugal é um país mediterrânico e se há algo de que nos podemos orgulhar é do clima e da nossa terra fértil. É possível em determinados períodos do ano percorrer Portugal e facilmente encontrar videiras com fartos cachos de uvas, macieiras e pereiras com os ramos carregados de fruta, laranjeiras, pessegueiros, castanheiros, romãzeiras, cerejeiras, diospireiros, entre outros. A riqueza é tanta, tão colorida e saborosa, tão rica e saudável que nem sempre nos apercebemos do privilégio que temos. O privilégio da fruta estende-se aos vegetais que tanto em plantações extensas como em quintais e jardins urbanos crescem facilmente. Também por isto, os elogios à gastronomia mediterrânica são tão eloquentes, e encerram tanta inveja. Une o sabor, a qualidade e é saudável.
Posto isto, quando temos as condições reunidas para minimizarmos o risco de vários problemas de saúde, eis que Portugal aparece com um quadro preocupante no que respeita à obesidade, em especial à obesidade infantil. O site promovido pela Direcção-Geral de Saúde — Plataforma contra a obesidade — refere: "Em Portugal, cerca de 32% das crianças com idades compreendidas entre sete e nove anos apresentam excesso de peso, sendo 11% obesas. Além disso, 24% das crianças em idade pré-escolar apresentam excesso de peso e 7% são obesas. Na idade adulta, os indicadores são ainda mais preocupantes, uma vez que 50% da população tem excesso de peso, sendo 15% obesa." O mesmo site informa, ainda, que há uma maior prevalência da obesidade entre as populações socio-economicamente desfavorecidas e, ainda, que o consumo de hortofrutícolas está associado às populações com um estatuto socioeconómico mais elevado.
Não surpreende. Todos nós já nos deparamos com os preços elevados das frutas. Por exemplo: maçã das Beiras a 1,69 euros/kg, pêra rocha a 1,99 euros/kg, laranja do Algarve a 1,99 euros/kg, banana da Madeira a 1,99 euros/kg (gritante quando o preço da banana importada da América do Sul é menos de metade), limão a 2,29 euros/kg, e poderia continuar. Os preços diferenciam muito pouco entre as grandes superfícies comerciais. E, se ousarmos ou formos ainda mais preocupados com a nossa saúde e quisermos optar por produtos biológicos, os preços disparam para o dobro ou mais do que o dobro.
Tendo em conta que a Direcção-Geral de Saúde segue as recomendações da Organização Mundial de Saúde quanto à porção de frutas e vegetais que devem ser consumidas por dia, considerando como ideal duas a três peças de fruta (400 gramas), complementadas com vegetais, façamos o seguinte exercício para uma família composta por quatro elementos. Considerando que um quilograma corresponde a seis peças de fruta, que esta família consuma apenas maçãs, pêras e bananas e que siga à risca as recomendações da OMS, concluímos que, consome diariamente o equivalente um quinto do ordenado mínimo nacional, actualmente de 580 euros. Parece não ser uma recomendação barata.
No entanto, não é apenas o custo da fruta que é preocupante. Há outras questões por responder. De acordo com a Rádio Renascença, a associação Ambientalista ZERO realizou um estudo e após “94 inquéritos em superfícies comerciais de 24 municípios de Portugal continental e Madeira, sobre a origem dos produtos, constatou-se que cerca de 65% dos hortícolas e apenas 50% dos frutos são de produção nacional”. Pior, o “cenário das frutas (…) foi descrito como estando "longe do ideal". Entre as 13 frutas alvo dos 45 inquéritos, só os morangos e amoras têm origem totalmente portuguesa. Pela negativa, a ZERO destaca os casos do limão (24%) e da uva (23%), que considera não serem facilmente explicados, já que "as principais origens destes produtos são países próximos com climas similares, como Espanha e Marrocos". Portanto, Portugal não só continua a não realizar o investimento necessário na produção nacional, como mantém uma tendência de importação com implicações ambientais.
Podem ser vários os argumentos que justifiquem os problemas com que Portugal se debate em relação à obesidade, entre eles: a globalização, a fast food, pais e mães que acumulam dois empregos, a vida agitada, o pouco tempo que as famílias passam com os filhos, os baixos rendimentos… Será por certo um problema complexo para um debate necessário. Mas, no país da fruta, quando se assiste a um “ataque” ao açúcar (em especial às bebidas açucaradas), por que motivo a fruta é um luxo e por que motivo não se investe na produção nacional?
Deixo quatro perguntas que mereciam ser respondidas. Atendendo ao potencial que Portugal apresenta, não deveria existir um maior investimento nesta área? Será possível democratizar os hortofrutícolas tornando-os acessíveis a todos? Será possível regular o mercado da fruta, garantir maior lucro para os produtores e evitar tão elevada penalização para os consumidores? E, se a fruta ocupa um papel de relevo nas recomendações presentes no Plano Assistencial Integrado para a Pré-Obesidade, da Direcção-Geral de Saúde, porque não se debateram e consideraram os preços dos hortofrutícolas?