Explosão ontológica
O novo disco de Will Toledo é uma reescrita de um antigo — onde antes estava tragédia agora está vida.
Durante anos Will Toledo não precisou de um estúdio para fazer discos — usava o seu computador para criar um universo de auto-análise sarcástica, raivosa e depreciativa, como um adepto do Sporting que se esforça por aceitar o destino do seu clube mas acaba a culpar as arbitragens, o mundo pelas suas falhas. Toledo amealhou oito discos assim, todos lo-fi, que editou no Bandcamp e funcionam como registo de crescimento de um jovem homossexual numa terra pequena, sem saber como lidar com a sua raiva. Desses oito discos talvez Twin Fantasy, editado em 2011, seja o que melhor espelha essa tortura interior. Será tão marcante que, sete anos depois, Toledo sentiu necessidade de o regravar, já não em modo lo-fi — mas não se trata apenas de tocar as mesmas canções com melhores condições: há canções que crescem (a extraordinária Beach life-in-death), outras que encurtam (Nervous young inhumans), palavras que mudam.
Este é um gesto estranhíssimo mas não para Toledo, cujo primeiro disco em formato físico, Teens of Style, era já uma regravação das melhores canções desses oito discos, estilisticamente unificadas por um grunge debitado no tom de voz de um Holden Caufield millenial a quem oferecessem um mau pacote de dados.
O magnum opus de Twin Fantasy — retrato de uma relação ansiosa com um homem mais velho, coming of age sexual e emocional — é os 13m16 da mencionada Beach life-in-death, que comporta três canções diferentes e, agora, é uma granada com o poder de pôr velhinhos a escavacar o lar de idosos: é admirável a gestão da tensão, o pára-arranca, a capacidade de acumular explosividade enquanto se debitam frases ambíguas como “I pretended I was drunk when I came out to my friends/ I never came out to my friends/ We were all on Skype/ I changed the subject” e depois é a artilharia, a infantaria, a aviação e ainda vamos na primeira canção das três que compõem Beach life-in-death.
No espectro oposto está Nervous young inhumans, que condensa em três minutos estas mesmas regras de verso, ponte-acelera-e-explode no refrão — a diferença para o original, em termos de força, poder puro de encostar o ouvinte às cordas, é tremenda: o que antes era o vizinho de seis anos, com ranho no nariz e munido de uma fisga, é agora um autêntico Israel. Mas talvez o melhor exemplo que Toledo possa dar para a necessidade desta “regravação” seja Famous prophets (minds), um monumento de electricidade épica, com a figura melódica que irrompe pelo refrão e que, no original, surgia desafinada, a ganhar corpo, como um David que só precisasse do doping de um bom estúdio de gravação para devir Golias.
Esse refrão é, agora, um cabo das Tormentas, uma barragem rasgada pela força das águas e é tremendo. Toledo, numa entrevista, disse que nunca olhou para Twin Fantasy “como um disco acabado” e que agora percebe que a sua história, ali narrada, de um rapaz cheio de medo de ser rejeitado, “não é uma tragédia”. A lista de canções perfeitas nesta disco corresponde, agora, ao seu alinhamento — e o Twin Fantasy de 2018 não é uma regravação, é uma re-rescrita do passado, não é um disco, é um romance musicado, não é um golpe do capitalismo, é uma guinada ontológica. É o sinal de que Toledo encontrou a salvação — provavelmente em si próprio.