Um político é como um whiskey velho?
Deverão os deputados ou os membros de um governo apenas poder exercer estas funções de forma sucessiva, por exemplo, por um máximo de 8 ou 12 anos?
Costumamos recordar apenas os políticos que o foram toda a sua vida, para o bem e para o mal. Mas há também inúmeros casos de quem se tenha dedicado à actividade política por um período e regressado depois à sua vida profissional anterior mesmo tendo sido bem-sucedido no serviço público.
Os “políticos profissionais” estão assim habituados a carregar com as culpas e a má consciência de todos nós. O discurso sobre “a boa e a má moeda”. O execrável ruído de fundo das conversas de café e dos jornais de pouca qualidade porque assentes na dúvida e na inveja. A desconfiança urbi et orbi a propósito de todas as motivações e todas as decisões. E, no entanto, mesmo que não gostemos de o recordar, diversos políticos, profissionais ou ocasionais, são seguramente bastante mais competentes e sérios do que muitos dos seus compatriotas nas empresas, nas universidades, no mundo da arte ou no desporto.
Como poderemos confinar esta desconfiança quase natural e ao mesmo tempo tornar ainda mais republicana a nossa vida pública?
Então, a pergunta que se segue é: deveremos limitar ainda mais os direitos políticos dos cidadãos no sentido de fixar um máximo de tempo em funções públicas, por exemplo, desde logo nos órgãos de soberania? Ou seja, indo ao ponto, deverão os deputados (à Assembleia da República, ao Parlamento Europeu) ou os membros de um governo apenas poder exercer estas funções de forma sucessiva, por exemplo, por um máximo de 8 ou 12 anos? No fundo, como já acontece hoje com os presidentes das autarquias, limitados a três mandatos sucessivos na mesma função e no mesmo território. Ou com o próprio Presidente da República, limitado a dois mandatos.
O tempo parece ser hoje o de se aprofundar a paridade de género, mas outras “paridades” podem ser pensadas. E desde logo no interior dos partidos políticos, a forma privilegiada de participação política do nosso sistema.
Se os partidos são o que são, com o bom e o mau que contêm, isso deve-se também seguramente ao facto de, desde a sua progressiva formação pós-25 de Abril, acabarem por se estruturar em torno e à semelhança de figuras referenciais cujo exercício de funções políticas, dentro e fora do partido, alcançou uma duração de diversas décadas.
Algumas dessas figuras eram, para o imaginário desse partido, “gloriosas” e nada a fazer quanto a isso, em especial num tempo de instauração do regime democrático. Outras, normalmente à sombra daquelas, eram o que tinham de ser em cada momento e assim se foram igualmente mantendo no tempo, cultivando as suas relações, os seus favores, os seus segredos, os seus poderes mais ou menos localizados, a sua imprescindibilidade.
A par delas, com as devidas excepções, a renovação de personagens e o destaque que novas caras merecessem ocorreu sempre mais pela sua proximidade circunstancial de um novo líder do que propriamente pela existência de condições estruturais que promovessem de forma consequente a dedicação ao serviço político numa lógica de dedicação temporária e de renovação consecutiva dos seus intérpretes. Estas condições estruturais poderiam ser assumidas como tal pelos próprios partidos, desde logo ao limitarem nos seus estatutos as renovações de mandatos nos diversos cargos partidários.
Mas e se um primeiro-ministro ou um ministro for tão bom que não poderemos viver sem ele? Ou se um deputado se revelar tão indispensável que seria uma perda para a democracia o seu abandono da vida parlamentar? Para mais, se sempre referendados nas urnas, pelo voto popular? Teríamos de saber viver com isso. O que justifica que um Presidente da República não possa exercer mais do que dois mandatos e um deputado ou um ministro, cujo poder directo sobre a vida das pessoas é imenso, possam eternizar-se nessa função?
Conheço pessoas que exerceram ou exercem ainda funções políticas de forma ininterrupta há décadas. Muitas são competentes e impolutas, pessoas de grande bom senso e saber, que transportam consigo uma memória valiosa para a decisão comum. Mas as regras fazem-se para todos e desde logo a pensar nos que não cabem nestas características. Aquelas limitações de funções criariam, por si, “melhores políticos”? Não. Mas teriam o potencial para aumentar a participação e o interesse pela vida pública, local e nacional, o que já seria um excelente resultado.