Eleições municipais em Moçambique: que papel para as gerações mais jovens?
Os jovens continuam marginalizados em termos de participação na construção das visões de futuro para o país.
As eleições são, normalmente, termómetro do amadurecimento democrático de um país.
Este ano, em outubro, Moçambique vai ter eleições nos seus 53 municípios. Estas eleições são o grande ensaio sobre o sucesso político dos principais partidos: a Frelimo, a Renamo e o MDM, um ensaio sobre os desafios que as eleições presidenciais e legislativas de 2019 trarão.
Estudos de longa duração realizados em todo o mundo mostram um apoio cada vez menor à democracia. Sugerem, de facto, que a democracia como noção política não resolve por si os problemas de um país; a democracia tem de ser um sistema de participação na busca de soluções para os problemas que Moçambique enfrenta. Um dos principais desafios é o lugar dos jovens e das mulheres no campo político, uma realidade partilhada com outros países da região.
O recente recenseamento em Moçambique apresenta dados que ajudam a compreender alguns dos problemas que marcam estas eleições. Quase dois terços da população têm menos de 25 anos, o que significa que a força de trabalho crescerá rapidamente nas próximas décadas. E significa igualmente um número crescente de novos eleitores e eleitoras. Emprego, habitação, transporte, educação são alguns dos problemas a que os candidatos às próximas eleições terão, direta ou indiretamente, de apresentar propostas de soluções, se quiserem conquistar os eleitores.
A representação política das mulheres e a chegada das gerações mais jovens ao poder são outros desafios importantes. Os partidos e organizações cidadãs afirmam estar comprometidos com o alargamento do espaço de atuação política das mulheres. Mas a nível nacional, dos mais de 160 candidatos, são poucas as mulheres propostas como cabeças de lista. Num país onde a participação política feminina é um facto importante, este cenário sugere o retorno a uma identidade política patriarcal.
A questão geracional está no olho do furacão político, associada à escolha de candidatos à liderança da edilidade em Maputo. Das 13 candidaturas submetidas, a Comissão Nacional de Eleições, por razões distintas, reprovou duas. Venâncio Mondlane, pela Renamo, foi excluído por contestação do MDM, partido através do qual tinha sido anteriormente eleito deputado, tendo depois renunciado ao mandato. Já Samora Machel Júnior (Samito), membro do comité central da Frelimo, perante a opção do seu partido, decidiu candidatar-se como independente (Samito avançou liderando a lista da AJUDEM, uma organização de jovens da sociedade civil). Formalmente, a exclusão justificou-se pelo facto de esta lista ter um número insuficiente de suplentes. Mas há quem argumente que o “chumbo” aconteceu por ter desafiado abertamente a “disciplina partidária” (o candidato da Frelimo, Comiche, de 79 anos, já desempenhou, no passado, competentemente, as funções de edil).
Mondlane e Machel Júnior partilham uma frustração real e justificável — quando chegará a vez de os “jovens” fazerem política e de as mulheres terem representação paritária? Esta realidade espelha, também, o estado da democracia em Moçambique, onde as regras parecem ser decididas, ainda, pelos “mais velhos”.
Samora Machel Júnior, aceitando a decisão do seu partido, arrojou candidatar-se desafiando a Frelimo. A sua base de apoio integra jovens, assim como alguns da geração mais velha, alienada pelo clientelismo e pelo apego dinástico ao poder que se desenvolveu, entretanto, no seio da liderança da Frelimo.
A “geração dos libertadores”, que chega ao poder com a independência em 1975, era muito jovem. E assegurou a direção do país. Como sublinhou Fanon, cada geração deve descobrir a sua missão e cumpri-la ou traí-la. Quando chegarão outras gerações mais jovens, com outros horizontes e objetivos, ao poder? Quando chegarão ao poder os homens e mulheres jovens comuns, os que todos os dias trabalham ou desenrascam a vida, que usam os “chapas” como transporte e que lutam para que os seus filhos tenham uma vida mais digna, trabalho, melhor saúde e educação?
A definição de jovem é ampla e reflete o contexto social moçambicano. Samito está perto dos 50 anos. Apesar de Samito não ter sequer apresentado o seu programa, os seus apoiantes veem nele uma opção à “geração mais velha”. Moçambique enfrenta o mesmo problema de outros países, como o Zimbabwe ou a África do Sul. Há décadas que o poder está nas mãos de um partido herdeiro de um movimento de libertação. Dos projetos libertadores pouca memória há, e a liderança atual do partido Frelimo tem apadrinhado os grandes projetos de desenvolvimento como solução para o país. Mas o crescimento que propõem não tem trazido o almejado desenvolvimento e alargamento político. Apoiada em visões políticas velhas e evitando debates e questionamentos sobre opções políticas tomadas, não estará esta geração a atraiçoar a causa de Moçambique?
Como Mandela afirmou, as nossas escolhas, as nossas ações e a nossa coragem devem refletir os nossos sonhos e esperanças de justiça social, e não os nossos medos. Mudar é preciso, e sobretudo mudar ouvindo e respondendo aos desejos dos que não ainda não encontraram espaço político para participar no Governo, contribuindo decisivamente para alargar a democracia e o progresso de Moçambique. Os jovens continuam marginalizados em termos de participação na construção das visões de futuro para o país. Moçambique pertence a todas e todos nós, pessoas comuns, mais e menos jovens, que procuramos um futuro melhor, lutando diariamente por ele. E é aqui que devemos encontrar a razão da nossa luta, porque é isso que nos afirma como moçambicanos.
Investigadora coordenadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra