Jutlândia, a Dinamarca por descobrir

Copenhaga, a capital dinamarquesa, é a maior e mais atractiva cidade do país. Porém, fora dela, há todo um país para explorar, com múltiplos pontos de interesse. É o caso da parte continental de uma nação de mil ilhas, a Jutlândia — uma ostra que, dentro da casca rugosa, encerra inúmeras pérolas.

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Descobrir tesouros dá, em geral, muito trabalho. Em especial se quem os esconde não mostra muito interesse em revelá-los. Os dinamarqueses reservaram Copenhaga e arredores para os turistas e guardaram o resto para eles. A segunda cidade do país, Aarhus, do tamanho do Porto, é servida por um aeroporto quase local, Tirstrup, a 50km de distância. Billund, o aeroporto mais importante que serve toda a península dinamarquesa, dista 100km e não tem ligações directas com Portugal.

Por isso, é compreensível que os turistas portugueses se quedem por Copenhaga. Mas quem queira descobrir algo diferente e se der ao trabalho para desenterrar tesouros, será amplamente recompensado.

A terra firme de um país de mil ilhas

A Dinamarca (5,8 milhões de habitantes e 43.092 km2 de área — metade de Portugal e a mesma densidade populacional) é uma nação insular, com 444 ilhas com nome e centenas de outras sem designação. Porém, a maior parte do seu território, a Jutlândia, é uma península do continente europeu, que se estende por 394km desde Padborg, na fronteira sul com a Alemanha, até Skagen, na ponta norte. Tal como o resto da Dinamarca, a Jutlândia é plana — um dos pontos mais elevados, com 147m de altura, no centro da península, é Himmelbjerg (Montanha do Céu — uma designação que espelha o sentido de humor dinamarquês). Porém, planura não significa uniformidade e o se o verde da paisagem (mais escuro nas florestas, de um verde-claro inigualável nas planícies e prados floridos) é traço comum, as diferenças são muitas e marcantes. Por exemplo, a costa oeste, banhada pelo mar do Norte, caracteriza-se por extensíssimos areais e marés muito pronunciadas; já no Leste, o mar Báltico é menos salgado, muitas praias têm relva quase até à linha de água e a diferença entre maré alta e baixa é mínima.

A Jutlândia de Sul a Norte

Desfrutar tudo o que esta península do Norte da Europa encerra requer semanas ou meses — com a agenda preenchida e num périplo compacto, o mínimo é uma semana. Embora haja um bom sistema de transportes, o aluguer de uma viatura é recomendável. Pode-se fazer isso a partir de Copenhaga ou Billund, mas o mais aconselhável para um turista português que só queira visitar a Jutlândia é partir de Hamburgo. As ligações aéreas entre Porto ou Lisboa e Hamburgo são mais frequentes, levam menos tempo e são mais baratas. Também o aluguer de automóveis na Alemanha tem um custo muito inferior.

O Aeroporto de Hamburgo fica a norte da cidade, na entrada para a auto-estrada A7, que liga a Alemanha à Dinamarca — até Padborg, na fronteira, são 163km. O único e grande problema é ser uma via com intenso trânsito que está em remodelação há mais de sete anos, trabalhos que só têm conclusão prevista em 2019 (e ainda nos queixamos da lentidão das obras em Portugal…). Por isso, há que contar, no mínimo, com duas horas para fazer um percurso que deveria levar menos de hora e meia.

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As auto-estradas, tanto na Alemanha como na Dinamarca, não têm portagens. A única excepção, do lado dinamarquês, é a travessia de duas pontes. Para um carro normal, a travessia da Storebaelt, a ponte que liga a ilha de Fyn à Zelândia, no percurso para Copenhaga, custa cerca de 34€; a portagem da ponte de Öresund, entre Copenhaga e Malmö, na Suécia, importa em 28€ (há um passe anual por 46€, mais barato que uma travessia de ida e volta).

A Dinamarca “alemã”

Partindo de Padborg, pela costa leste, a 42km da fronteira, Sonderborg é uma bonita cidade num fiorde da península de Als, que merece uma visita. Também vale a pena percorrer Als, com florestas centenárias que se prolongam até a praias e ao mar pontilhado por dezenas de ilhas. A parte meridional da Dinamarca foi ocupada pela Prússia e Alemanha de 1864 a 1920. Sonderborg foi palco de sangrentas batalhas que terminaram com a derrota das forças dinamarquesas. Estas tiveram de abandonar a região de Schleswig-Holstein (até então dinamarquesa) e viram-se forçadas a recuar até Kolding, 88km a norte da actual fronteira.

Em 1920, depois da I Guerra Mundial, foi proposto à Dinamarca reaver o território que tinha sido ocupado pela Prússia. No entanto, o governo dinamarquês optou por fazer um referendo. Dessa consulta, resultou que a maioria da população da parte sul de Schleswig-Holstein decidiu permanecer na Alemanha, enquanto a zona norte votou pela reintegração na Dinamarca. Ainda hoje, há uma minoria alemã na Dinamarca meridional e uma minoria dinamarquesa no Norte da Alemanha.

Aarhus, a capital da Jutlândia

Continuando para norte, a seguir a Kolding a auto-estrada bifurca-se — para leste, passa pela ilha de Fyn, cuja cidade mais importante é Odense, a terra natal de Hans Christian Andersen, e atravessa a ponte do Store Baelt, que liga Fyn à Zelândia e a Copenhaga. Mas continuemos em frente, por Vejle, a zona “montanhosa” da Dinamarca, com um desvio obrigatório por Billund para visitar o mundialmente famoso parque da Lego, segue-se Skandeborg, com o seu belo lago, até chegarmos a Aarhus.

Aarhus, carinhosamente designada “a menor cidade grande do mundo” pelos locais, com cerca de 300.000 habitantes, é a segunda urbe do país e até 2017, quando foi Capital Europeia da Cultura, pouco fazia para atrair os turistas (por exemplo, era difícil encontrar lojas de postais e recordações). Agora a situação melhorou e a zona portuária, degradada, foi objecto de requalificação similar à que ocorreu na zona do Parque das Nações em Lisboa.

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No entanto, essa requalificação não foi muito bem-sucedida na opinião da maioria dos seus habitantes — demoliram-se edifícios centenários, para construir em excesso num bairro de luxo sem zonas verdes e com muitos apartamentos ainda vazios — “o gueto dos ricos”, no dizer dos locais. Fora do centro e dessa zona, porém, existem muitos espaços verdes e floresta.

Na cidade, para além da catedral e do centro, as principais atracções são Den Gamle By (A Cidade Velha), um museu medieval ao ar livre, onde se mostra o dia-a-dia de quatro séculos, em casas, oficinas e lojas da época. O museu Aros, no centro, é encimado por um círculo em acrílico colorido de onde se pode desfrutar uma boa vista da cidade. Ainda no centro, também é possível ter essa panorâmica, de forma gratuita, no topo dos armazéns Salling na zona pedonal. A nova biblioteca, na zona do porto, também merece uma visita.

Imperdível, a 20km do centro, é o museu etnográfico de Moesgaard, um edifício impressionante, com o topo relvado e uma arquitectura similar (mas anterior) à do MAAT em Lisboa. E se a vista por fora já vale a pena, o seu interior, com inúmeros testemunhos do passado (incluindo o corpo mumificado de um homem pré-histórico) e espectáculos de multimédia, encerra muitas preciosidades.

De volta à cidade: haverá um local mais desinteressante para situar um restaurante que um largo, no porto de Aarhus, onde se localiza um matadouro e uma refinaria de óleos? Porém, é aí, perto mas já fora do centro, que se situa desde 1907 o Kohalen, um dos melhores sítios em toda a Dinamarca para se apreciar uma gastronomia tradicional. Ao visual exterior, pouco apelativo, corresponde um espaço interior elegante, com algum requinte, um serviço impecável, atencioso e simpático, um extenso menu de pratos bem confeccionados (e em quantidade abundante). Comemos lá camarões dos fiordes com caviar dinamarquês e espargos, tarteletes de espargos e galinha, bife do lombo de porco com molho de cogumelos — tudo excelente, como o resto das iguarias que constam da lista. Esta jóia gastronómica é pouco frequentada por turistas, mas muito visitada pelos locais, sendo aconselhável reservar mesa. Os preços, pelos padrões dinamarqueses, são muito razoáveis (20€-30€ por pessoa) e há um bónus adicional para os comensais — o restaurante fornece um dístico que permite estacionar gratuitamente no largo adjacente das 11h até às 19h. Como não se está muito longe do centro, depois de comer, pode-se deixar lá o carro e fazer um passeio para ajudar à digestão do lauto repasto.

O centro da Jutlândia

Saindo de Aarhus para nordeste, em Kolind, a 42km, situa-se o Skandinavisk Dyrepark, um parque onde, em estado de semiliberdade, se pode observar a fauna característica dos países escandinavos (ursos, veados, lobos, raposas, renas, etc.). A noroeste de Kolind, num enorme edifício em cúpula na cidade de Randers, encontra-se uma floresta tropical (Randers Regnskov – www.regnskoven.dk/), digna de uma visita (o equivalente terrestre do Oceanário de Lisboa).

Prosseguindo a viagem, em Mariager encontra-se um museu do sal (http://saltcenter.dk/), com toda a história desse condimento ao longo dos tempos, os diversos processos de fabrico em muitos países (incluindo Portugal). Aí, além de se poder ver o processo tradicional de fabrico de sal no Norte da Europa, há uma piscina em que os visitantes se podem banhar, onde foram criadas as condições de temperatura do ar, da água e salinidade do mar Morto — uma experiência singular.

E como o sal pede comida, 12km a sul de Mariager, em Spentrup, encontra-se uma das mais famosas estalagens do país — a Hvidsten Kro. Além de ser um templo de gastronomia tradicional é um museu recheado de história, tendo os seus proprietários sido fuzilados pelos alemães durante a II Guerra Mundial, por fazerem parte da Resistência. A especialidade da casa é aegekage, uma espécie de omolete, com mostarda e bacon caseiros — apesar da aparente simplicidade do prato, a sua textura e sabores são únicos e atraem comensais vindos de longe. O serviço pode ser por vezes demorado, mas a espera vale a pena. A par do restaurante-museu, a estalagem também tem quartos para hóspedes.

Aalborg, o Limfjord e a ponta norte

Na viagem para norte, passamos por Rebild, um parque nacional que merece uma visita, incluindo uma mina de calcário e um museu da II Guerra Mundial, e chegamos a Aalborg, a quarta cidade do país, com cerca de 170.000 habitantes. Aalborg, fundada pelos vikings, tem uma tradição industrial e comercial, pela sua localização no Limfjord, um braço de mar que praticamente corta a Jutlândia, do mar do Norte ao Báltico. Entre as várias atracções que a cidade oferece, para além de um bem preservado centro histórico, menção para o Kunstmuseum (museu de arte moderna); a Musikhus (casa da música, pela sua arquitectura), Lindholms Høje, um sítio arqueológico, com vestígios que datam do século V, cemitério e museu (onde se reconstitui o dia-a-dia na Idade do Ferro e no tempo dos vikings); e Springeren, Centro Marítimo, com exposição de barcos antigos em réplicas e tamanho real, incluindo um submarino onde se pode ver por periscópio Aalborg e o Limfjord, uma câmara de descompressão, diversos jogos e espectáculos multimédia, um parque Lego para os mais novos, uma cidade em miniatura, etc.

De Aalborg, em direcção à ponta setentrional da Jutlândia, 65km a nordeste, deparamos com Frederikshavn, uma importante e bem preservada cidade portuária no Báltico. Entre os vários pontos de interesse, destaque para o Bangsbo Fort & Bunker Museum, com edificações militares construídas pelos alemães durante a II Guerra Mundial, e que graças à sua localização numa colina com 78m de altura, proporciona uma excelente panorâmica da cidade e do estreito de Kattegat no Báltico.

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De Frederikshavn são apenas 40km até Skagen, na ponta setentrional da Jutlândia. Esta pequena cidade (cerca de 9000 habitantes) é um importante porto de pescas e de ligação por ferry com Gotemburgo na Suécia e Oslo na Noruega.

As praias da costa Oeste

De regresso ao Sul pela costa Oeste, de Skagen até Tønder, na fronteira com a Alemanha, são quase 400km de extensos areais muito frequentados (maioritariamente por alemães), durante os meses de Verão. Podemos duvidar: praias na Dinamarca? Na verdade, graças à corrente do Golfo e à pouca profundidade do mar do Norte, a temperatura da água do mar em Junho e Julho (e, em alguns anos, também em Maio e Agosto) nunca é inferior a 20ºC. A verdade é que, no Verão, a água do mar é mais quente na Dinamarca que em Portugal (à excepção do Algarve) — e isso aplica-se tanto às praias do mar do Norte como às do Báltico (na costa leste e nas ilhas dinamarquesas).

Enquanto o Báltico é quase um lago no que se refere às marés, com relva até quase junto ao mar e ondulação mínima, na costa oeste da Jutlândia a regra é centenas de metros de areia até à borda de água e amplitudes de marés de mais de 10km em alguns locais. A areia é fina e compacta e, em conjunção com a extensão do areal, permite que os carros circulem nela em muitos sítios.

Para nos banharmos em segurança nas praias do Oeste da Jutlândia há que ter em atenção um aspecto importante: muitas delas apresentam três bancos de areia desde a borda de água até ao mar aberto; mesmo nos dias de ondulação mais fraca é imperativo nunca ultrapassar o primeiro banco de areia! A aparente tranquilidade do mar esconde correntes perigosas e todos os anos morrem alguns banhistas que, não cumprindo esse aviso, se aventuram mais longe e não conseguem voltar a terra. Isso sucede principalmente nos muitos quilómetros de praias não vigiadas.

Porém, desde que se tenha o devido cuidado e se a temperatura do ar for boa, ir a banhos na Dinamarca, mesmo para os mais friorentos, é uma óptima experiência. De norte para sul, entre as muitas extensões de areia sem nome, referência para as praias de Løkken e Blokhus (onde ainda se podem ver restos de bunkers construídos pelos alemães durante a II Guerra Mundial), Fjerritslev e Klim Strand — na prática um areal de 55km que constitui uma baía — Jammerbugten.

Prosseguindo para sul, vamos dar a Klitmøller, uma praia com dunas e falésia, englobada num parque nacional — Thy. No Sul de Thy, após uma breve travessia de ferry de Agger para Thyboron cruzando o Limfjord e mais cerca de 90km de costa e areais, vamos dar a uma fiada de praias conhecidas, como Hvide Sande (Areia Branca), Nymindegab, Vejers e Blåvand (Água Azul) — na prática uma só praia de 63km com diferentes denominações.

Praticamente em frente a Hvide Sande, mas do outro lado (leste) do fiorde de Ringkøbing, encontra-se uma cidade com o mesmo nome e 17km a sul, ainda à beira do fiorde, um vilarejo, Stauning, onde se situa uma pequena destilaria que produz alguns dos melhores whiskies a nível mundial (www.stauningwhisky.com/). Pode-se visitar a destilaria mediante marcação prévia, degustar e adquirir os néctares aí produzidos. Não sendo baratos, são um bom investimento — a produção é limitada, esgotam-se e valorizam-se rapidamente.

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De Blåvand a Esbjerg, talvez a cidade mais importante do Sul da Jutlândia são apenas 35km.

Ribe e o Vadehav

Esbjerg, cidade e porto de onde partiam os vikings que atacavam a costa leste inglesa, merece uma visita, mas imperdível mesmo é Ribe, 30 km a sul. Ribe é a mais antiga cidade dinamarquesa, datando do século VII, um museu vivo, à beira do Vadehav, um parque nacional marítimo que se caracteriza pela amplitude das marés — há uma diferença de mais de 10km entre a maré alta e a maré baixa.

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Uma experiência interessante é a visita a Mandø, uma ilha a 7,5km da costa com a maré alta, que é acessível por carro na maré baixa (se não desejar usar a viatura própria, há excursões de Ribe a Mandø). O único cuidado a ter é a atenção ao movimento das marés — caso contrário fica-se preso na ilha até a água voltar a recuar. Mandø fica no meio de duas outras ilhas maiores — Fanø e Romø (esta, a ilha mais meridional da Jutlândia, com ligação por ferry a outra ilha, Sylt, uma famosa estância balnear alemã).

O parque nacional Vadehav, para não variar, inclui várias praias até Tønder, mas de Ribe optamos por atravessar a Jutlândia de volta a Padborg e a Hamburgo, concluindo o nosso périplo.

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