Eleições no Montepio à margem de tudo
Ao ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social,
ao governador do Banco de Portugal,
aos presidentes da Autoridade de Supervisão dos Seguros e Fundos de Pensões, da Comissão Nacional de Protecção de Dados e da Comissão Executiva da CEMG
Excelentíssimos Senhores,
Fui delegado duma lista – “C” – nas eleições do Montepio, o que me permitiu vivenciar os seus bastidores. Não venho apresentar queixas ou lamentos, nem reclamar sobre a idoneidade dos candidatos. Dirijo-me a V. Exas. para informar, testemunhar e responsabilizar quem de direito, sobre o que testemunhei, preenchendo desconhecimentos que alimentam a impunidade dos que atacam o Estado de Direito e as instituições, no caso, esta quase bicentenária Instituição.
Dirijo-me a V. Exas. como mutualista há 52 anos, pensionista mutualista há 15 e, fundamentalmente, como cidadão indignado. A essência da credibilidade democrática reside na consistência de o seu processo eleitoral garantir o apuramento da vontade da maioria. E nessa credibilidade coloco vários factores, que não citarei, focando-me aqui tão só, no seu coração: a autenticação do eleitor.
Nas eleições da Associação Mutualista Montepio Geral (MGAM), 97% dos votos ocorreram por correspondência, o que releva a importância da autenticidade do voto. Nestas eleições, o coração colapsou atacado em múltiplas frentes, de que resulta não se saber quem votou, inquinando o resultado final. A saber:
Qual é o regime jurídico aplicável?
O Dec. Lei 59/2018, define no n.º 1. do artigo 4.º – “Aplicam-se imediatamente todas as normas do Código” das Associações Mutualistas (CAM) – e prescreve no n.º 3 do artigo 86.º – "… é admitido o voto por correspondência, sob condição de… ser assegurada a sua autenticidade, nomeadamente através de reconhecimento da assinatura nos termos legais…”.
Nestas eleições a autenticidade dos putativos votantes continuou a ocorrer alheia ao novo CAM, assegurada internamente, por conferência de assinatura num processo que, pela sua subjectividade, não garante autenticidade alguma e é permeável à usurpação do voto.
Qual a base de dados utilizável?
Quer os Estatutos da MGAM, no art.º 44. – “… a assinatura do associado é conferida com o espécimen existente no Montepio Geral” – ; quer o Manual operativo aprovado pela Comissão Eleitoral para estas eleições, a definir, em 2.2.3.1 – "... os dados são cruzados com a Base de Dados da Associação Mutualista …" – e 2.2.3.2 – “… a assinatura que consta na imagem do envelope é certificada com a assinatura do associado digitalizada”.
Todas as redacções estão no singular e são claras remetendo, unicamente, para os dados existentes na Associação e não outros noutros âmbitos, sobre os quais não teriam legitimidade para se pronunciarem.
Por outro lado, o BP e a CMVM, têm vindo a impor a segregação entre o banco e a mutualista, segregação reafirmada no comunicado do Presidente da CE da CEMG, de 16 Novembro, onde se lê: “A CEMG é uma entidade autónoma e independente no âmbito do processo eleitoral do MGAM” .
Igualmente, a autorização sobre o uso restrito de dados, concedida pelo cliente bancário na abertura de conta: “Os dados recolhidos neste impresso… são confidenciais e serão processados informaticamente, destinando-se à utilização em relações comerciais com a CEMG”, é claramente restritiva no âmbito da utilização dos mesmos.
Apesar de todas estas evidências, foi a base de dados da CEMG que suportou o processo eleitoral, accionada automaticamente sempre que inserido o número de associado, enquanto a base de dados MGAM só subsidiariamente foi consultada, em complemento daquela.
Os utilizadores não estavam subordinados à cadeia hierárquica da CEMG e abriam documentos CEMG e MGAM, na busca de semelhanças que permitisse “autenticar” o votante em causa, acedendo a operações comerciais ou associativas e expondo-as também aos presentes.
Um processo sem credibilidade, sem critério e desorganizado
Uma assinatura, por definição, é a marca com que um indivíduo se identifica ou se responsabiliza perante terceiros. A conferência de assinaturas deve assentar no confronto da marca que se pretende validar com uma outra, espelho, existente na entidade conferente.
Não é lícito ao conferente deduzir semelhanças caligráficas – presentes em qualquer falsificação – para aceitar marcas diferentes das que dispõe para verificar.
Por inacreditável, foi esta a prática comum que validou milhares de votos nestas eleições, com o intuito de “autenticar” o maior número possível de votos.
Apesar deste esforço máximo para encontrar semelhanças mínimas, ainda foram 926 os casos de imitação grosseira não aceites, ponta visível do iceberg de muitas mais assinaturas “autenticadas” neste processo eleitoral.
A falta de credibilidade do processo é ainda ilustrada na desorganização operacional da equipa de conferentes. Dezassete elementos, durante três semanas, sem coordenador, sem critérios definidos para a execução da tarefa, e sem qualquer sistema organizado de controlo da actividade colectivo e individual que permitisse detectar desempenhos anómalos. Cada cabeça, sua subjectiva sentença, com o poder absoluto de autenticar o votante.
Processo não fiscalizável
Apesar de reconhecido às listas o direito de fiscalizar a conferência de assinaturas, este direito foi sendo cerceado à medida que se procurou exercê-lo, por sucessivas decisões duma Comissão Eleitoral de seis elementos, quatro dos quais candidatos da auto-intitulada lista institucional, conceito inexistente estatutariamente.
A presença junto dos “conferentes” acabou proibida, seguiu-se a livre fiscalização a posteriori, para acabar na fiscalização por amostragem. Limitada a 100 casos, 20 a cada lista e 40 à PwC, com imposição de unanimidade para revogar a autenticação feita pelo conferente. Fiscalização num colete-de-forças usada uma única vez, no penúltimo dia da campanha.
De permeio ficaram falta de meios, incidentes condicionantes entre “conferentes” e delegados ilustrativos do clima vivido.
Excelências,
Nas eleições do Montepio, não se sabe quem votou nem quem ganhou. O processo foi ilegal, desorganizado, sem credibilidade e não fiscalizado.
Esta é a realidade das eleições na maior e mais importante Associação Mutualista portuguesa, e o país sabe, por más razões, de que lado está a prepotência, a charlatanice e a trapaça neste processo eleitoral. O Montepio não pode continuar refém dum grupo que se mantém no poder através de processos ínvios.
Diligências simples habilitam V. Exas. a confirmar o acima narrado, documentado e registado abundantemente, envolvendo número elevado de intervenientes e uma auditora, e a concluir sobre o que foi desrespeitado nas eleições do Montepio.
E o país espera de V. Exas. que defendam as Instituições e o Estado de Direito.
A bem do Montepio e de Portugal.