Sapiofilia: quando a atracção sexual é pela inteligência

Não é a primeira vez que suspeito de sapiofilia, a atracção sexual pela inteligência, mas é a primeira vez que a sinto. É uma admiração pela genialidade do professor, uma adoração pura, uma química psicológica que me faz querer conspurcar através do conhecimento.

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Querido professor,

A seguir à sua aula tivemos uma reunião. Mesmo tendo em conta que propôs uma reunião à maioria dos outros alunos, devo dizer que estava muito entusiasmada. Quando chegámos ao seu gabinete, abriu o computador, sentou-se ao meu lado e tinha o meu ensaio aberto. O que evidenciou que me reconhece, que me distingue de entre os seus alunos. Costuma dizer que o extraordinário se encontra naquilo que poderia ter acontecido ao invés do que é explicitamente dito que acontece. Acredito que a minha atitude um tanto nervosa, um tanto interessada, compreensiva e com um toque de sedução possa ter plantado as sementes na sua imaginação daquilo que poderia ter acontecido entre nós.

Posso constatar com todas as certezas que criámos empatia, isto porque, apesar de inicialmente eu não ter sido capaz de elaborar frases mais complexas do que balbucios de concordância, o contacto visual que nos prendeu e, principalmente o facto de a nossa postura se ter mantido sempre semelhante, quase em espelho, dão-me sinais suficientes para que eu possa depreender o estabelecimento de uma ligação empática. Chegou ao ponto de me sentir ridícula por não saber quem estava a imitar quem: se eu me inclinasse mais para a frente, logo de seguida o professor seguia-me o movimento; e se fosse o professor a chegar-se mais para a minha direita, imediatamente dava por mim a chegar-me mais à sua esquerda; o que acabou por se revelar positivo, uma vez que deu um propósito aos meus membros que estavam a sentir-se inúteis na sua presença erudita.

O professor foi respeitoso e ao longo da nossa conversa fez por vezes as expressões infantis que lhe são características. Os seus agitados olhos azuis por detrás das serenas lentes conferem-lhe uma mistura de intelectual superior com um amigo que nos quer ajudar. Estas duas vertentes são co-dependentes e tornam-no desejável. Separadas anulam-se, pois separadas não descrevem a sua personalidade encantadora. O seu lado compreensivo e orientador em conjunto com o seu poder de correcção e a precisão que exige fazem o sangue aquecer à superfície das minhas maçãs do rosto.

O contexto que temos em comum, construído por si ao longo do semestre, fundamenta a cumplicidade sentida quando faz referências que eu posso compreender: desde o insano Frei Tomé – que me dá ferramentas para simplificar o afecto em termos físicos –, a Camões – que explica como quem ama transforma a coisa amada. Desde o Moulin Rouge, em que mencionou a minha citação favorita “the greatest thing you’ll ever learn is to love and be loved in return”, até a aconselhar-me a ler O Banquete de Platão. Possibilitou que desenvolvêssemos um diálogo (com direito a gargalhadas envergonhadas a saírem de mim) acerca do discurso amoroso e de como este se forma. Quem diria que uma conversa pudesse ser orgásmica.

Por uma vez na vida sou eu quem fica maravilhada pelo conhecimento que o outro possuí. E o professor não o demonstra de forma pretensiosa, mostra-o ao transmiti-lo, ao partilhar a sua sabedoria com os alunos. São ideias e valores que eu não sabia serem extremamente excitantes.

Agora que penso nisso, não compreendo como é que mais rapazes não ficaram presos à ideia de mim. Talvez só procurassem uma retribuição e o professor fez-me perceber, através de fundamentos histórico-literários, por que é que a reciprocidade em nada realmente importa no que toca ao sentimento em bruto. Chamou-me à atenção para o facto de nem todos conseguirem perceber o raciocínio que fiz por detrás do ensaio que entreguei, mas disse-o carregando as palavras de um tom que subentende que conseguia entrar na minha mente e atravessar os meus pensamentos.

Não é a primeira vez que suspeito de sapiofilia, a atracção sexual pela inteligência, mas é a primeira vez que a sinto. Apesar de me deixar aos saltos, acaba por estar desligada do lado físico, é mais uma admiração pela genialidade do professor. Uma adoração pura, uma química psicológica que me faz querer conspurcar através do conhecimento.

Dentro do seu gabinete senti-me como se fôssemos Paolo e Francesca. Em vez de lermos em conjunto um livro sobre adultério e efectivamente cometermo-lo, nós falávamos sobre o logos, começando eu de facto a sentir-me nessa posição subordinada sem reciprocidade. O nosso papel de opostos, a dicotomia professor/aluna, sugere o factor de sentimento ilícito, que me condena ao primeiro círculo do Inferno de Dante e a uma eterna flutuação, não muito diferente da que sinto ao deixar-me levar pelas sensações que o professor incutiu em mim.

Estou invadida por um misto de dor e desejo ao saber que já não o irei ver mais sentado nas costas da cadeira, debruçado, com os pés em cima da mesma, a ler para toda a turma numa voz rouca, mas audível. Fez questão de me deixar à vontade para manter uma boa relação académica, uma vez que até a promove. Por isso escrevo-lhe esta carta. Preciso urgentemente da sua orientação. Como sugere que resolva a saudade que sinto?

Atenciosamente,

Helena

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