A remodelação governamental não foi tão longe como devia
Um Governo com convicções sobre a importância nacional do capital-sobrevivência que é o solo agrícola sabe munir-se de ministérios da Agricultura e do Ambiente capazes de preparar o futuro do país. E isso só é conseguido com gente nova, de ideias esclarecidas.
Esta última remodelação do Governo podia ter ido mais longe e chegado a áreas bem precisadas de uma grande volta, como Agricultura e Ambiente. Os dinossauros do período Triássico, se fossem tão resilientes como os dinossauros da política portuguesa, ainda hoje existiriam...
Custa a crer que não seja visível aos responsáveis que estiveram por trás desta remodelação (porque não pode ter sido apenas o primeiro-ministro...) o estado de atraso do país em termos de desenvolvimento do interior, para onde se continua a enviar retórica e uns anúncios de investimentos que não mudam nada do essencial. O nosso erro enquanto país e com as governações que temos tido nas últimas décadas foi ter-se desprezado a capacidade produtiva dos nossos campos, foi não se ter sabido resistir às pressões mercantilistas e de aproveitamento de subsídios vindos da Europa para deixar de lado as pequenas e médias explorações.
Desde que há umas décadas atrás os governos de Cavaco Silva resolveram dar subsídios aos pequenos e médios agricultores para deixarem de produzir, nem ele nem mais nenhum outro depois com poder de decisão foi capaz de pensar a longo prazo e perceber que estavam a desertificar o interior. Apenas as grandes explorações de carácter industrial passaram a merecer apoios; e os agricultores que deixaram as terras em pousio foram aliciados para plantarem eucaliptos – foi a "época de ouro” do "petróleo verde”. E as poucas vozes que falaram contra ainda foram ridicularizadas.
Com escreveu o Prof. António Covas, da Universidade do Algarve, “o erro foi considerar a agricultura uma indústria”; até hoje não se corrigiu o erro.
Em vez de atraírem novos agricultores, gente nova que aderisse, aliciada por incentivos e repovoasse as aldeias e vilas, o que fizeram os Governos? Começou a campanha do “petróleo verde”, acabaram com os Serviços de Extensão Rural que eram fundamentais para ensinar novas culturas e novas técnicas e fomentar o associativismo que ajudaria os novos agricultores, as Direcções Regionais de Agricultura perderam grande parte da sua actividade que era fundamental para, no campo da experimentação, irem preparando novas culturas e novas variedades que se adaptem às condições que as alterações climáticas vão impor cada vez com maior acuidade – ou também não se acredita nas alterações climáticas?
É necessária à frente dos destinos da Agricultura gente nova, com ideias arejadas e sentido de futuro; não basta ter repartições a preencher papelada para os subsídios comunitários!
Em política florestal o desvario foi completo e chegou-se à situação de hoje. Do CDS ao PS têm estado todos de acordo: extinguiram os Serviços Florestais que tinham a sua malha de defesa e vigilância espalhada pelo território, criaram um aborto administrativo de “tutela partilhada”, enviaram os guardas florestais para a GNR, extinguiram as Administrações Florestais que geriam os problemas e os fogos e agora é o pandemónio de reformas e contra reformas da floresta, os milhões e milhões que são injectados todos os anos para tapar buracos de organização, só para não darem a mão à palmatória e reconstruírem os Serviços Florestais que ficavam muito menos onerosos que todos estes esquemas inventados para os substituir. Os incêndios são cada vez mais catastróficos; quando eles eram combatidos pelos guardas florestais e pelos bombeiros, nunca houve grandes conflitos, entendiam-se bem porque ambos conheciam as serras e os fogos eram apagados geralmente dentro de limites razoáveis. Depois apareceram os senhores comandantes da Protecção Civil que parece que sabem de tudo, o Ministério da Agricultura cedeu o lugar ao da Administração Interna, os erros de comando são contínuos e – pasme-se! – atiram as culpas sempre para os bombeiros.
A política de Conservação sempre foi um pilar fundamental do Ambiente e desde Abril de 74 que os governos se interessaram por exercer uma governação onde as medidas conservacionistas eram independentes da economia e transversais às demais actividades. Juntar o ICN com as suas Áreas Protegidas ao organismo de gestão das florestas sempre foi uma tentação de quem queria dominar a livre expansão do eucaliptal e outras formas especulativas de desordenamento do território. Estiveram quase a consegui-lo em 2004, mas o bom senso dos responsáveis do Ambiente da época conseguiu impedir esse desnorte. Mas agora é o próprio PS que aprovou e bateu palmas à inovação que o CDS introduziu ao criar o ICNF. E há um Ministério do Ambiente cujo titular aceita ser ministro nessas condições – porquê? Porque, confessa, não é ambientalista. Já tínhamos dado por isso...
Um Governo com convicções sobre a importância nacional do capital-sobrevivência que é o solo agrícola, sobre o papel insubstituível da agricultura na transformação da paisagem e no dinamismo do meio rural, e sobre a transversalidade e independência da Conservação para uma economia sustentável, sabe munir-se de ministérios da Agricultura e do Ambiente capazes de preparar o futuro do país. E isso só é conseguido com gente nova, de ideias esclarecidas. A remodelação governamental não foi tão longe como devia...