Nova comissão de inquérito “serve para desviar as atenções” do Governo

João ferreira, eurodeputado do PCP, critica proposta de Costa, considera que “os portugueses têm razões para se sentirem enganados por Mário Centeno e pelo Governo anterior” por causa da venda do Novo Banco e acusa a UE de querer beneficiar um grande grupo bancário espanhol.

A União Europeia (UE) “não foi o primeiro projecto de integração de Estados na Europa e muito provavelmente não será o último”. Quem o defende é o eurodeputado do PCP João Ferreira que se candidata a um terceiro mandato. Pode ouvir a entrevista ao PÚBLICO/Renascença esta quinta-feira a partir das 13 horas.

Esta semana foi marcada por dois acontecimentos em que o PCP está cada vez mais isolado. Começando pela Venezuela, como vê este apoio único de Cuba, China e Rússia ao ditador Maduro contra a UE?
A UE não tem uma opinião única sobre a Venezuela. Nem todos reconheceram o Presidente [Juan Guiadó] que foi reconhecido de imediato pelos EUA, Brasil e Colômbia e ainda bem que não o fizeram porque vai ao arrepio do que é o Direito Internacional. Dos 194 países membros das Nações Unidas, apenas 40 o reconheceram. 

Reconhece-se nos valores de Maduro, que coloca na prisão opositores, não deixa haver uma imprensa livre?
O essencial, nesta fase, é dizer que independentemente da opinião que cada um tenha da situação interna na Venezuela, a convivência entre nações rege-se pelo Direito Internacional e esse Direito Internacional foi espezinhado com esta atitude quer dos EUA, quer de alguns países da UE como, infelizmente, Portugal. Creio que temos vários exemplos no passado de situações em que nos venderam determinado tipo de intervenções com fins humanitários ou visando restaurar ou implantar condições de democracia e vemos naquilo que deram, como o Iraque, Síria, Líbia, Afeganistão, na própria Jugoslávia. Creio que são situações ainda demasiado próximas para que nos possamos dar ao luxo de nos esquecermos do que foram as consequências dessas intervenções. Não queiramos fazer da Venezuela um novo Iraque, nova Líbia ou nova Síria. Compete aos venezuelanos sem interferências externas decidirem de forma livre e soberana o seu destino. Não podemos pretender que só há democracia quando ganham aqueles de quem gostamos. Isso é um conceito um bocadinho pobre de democracia.

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João Ferreira Nuno Ferreira Santos

Revê-se na situação política interna da Venezuela ou quer distanciar-se de algum factor?
Se me pergunta como olho para as últimas duas décadas de vida na Venezuela, creio que houve uma evolução notória dos indicadores de desenvolvimento humano ao nível da saúde, educação. Isto não deve ser menosprezado. As riquezas nacionais passaram a ser redistribuídas de outra forma. Há uma situação hoje de extrema dificuldade que resulta de uma evolução mais recente em que pesam factores externos como o bloqueio económico e algumas opções tomadas no plano interno, como facto de a economia estar muito focada no petróleo. Se Portugal tivesse hoje um bloqueio económico como o que é imposto à Venezuela ficaríamos numa situação extraordinariamente precária sem que daí se possa concluir obrigatoriamente que isso resultou de uma atitude desastrosa das autoridades nacionais.

Sente-se enganado pelo ministro das Finanças quando este disse, a propósito da venda do Novo Banco (NB) à Lone Star, que os contribuintes não iriam pagar mais nada?
Todos os portugueses têm razões para se sentirem enganados não apenas por Mário Centeno, por este Governo, mas também pelo anterior. O governo anterior decidiu a resolução de um banco que implicou 4 mil milhões de euros de custos para os contribuintes. Fruto da solução que foi encontrada por este Governo, e que vinha na continuidade da solução que o governo anterior preconizava, estamos confrontados com uma venda que pode levar os contribuintes a despender até 8 mil milhões de euros e eventualmente ainda mais. São 8 mil milhões despejados em cima de um grupo privado estrangeiro para nós ficarmos sem uma coisa que era nossa. Normalmente quando se vende alguma coisa, damos essa coisa e recebemos dinheiro em troca. Neste caso, dá-se esta bizarria de prescindirmos de um banco e ainda pagarmos 8 mil milhões de euros, pelo menos. Este Governo, que devia ter posto em causa a decisão que o anterior tinha tomado, não o fez. Usou como desculpa o acordo que o governo anterior tinha feito com a UE para fazer um negócio ruinoso para o Estado. O que era possível e ainda é possível neste momento é percebermos a importância de recuperarmos o controlo do NB...

Acha que ainda é possível?
Sim. Foi do suor dos trabalhadores portugueses que saíram esses 8 mil milhões de euros! Estávamos numa situação em que se juntava a fome à vontade de comer. A UE queria que entregássemos o banco a um grande grupo espanhol e do lado do Governo português, do anterior e também deste, não havia a vontade de aproveitar a intervenção pública que foi feita no NB para alargar um pólo público bancário. 

O primeiro-ministro sugeriu uma comissão de inquérito sobre a actuação do Banco de Portugal no caso do fundo de resolução para salvar o NB. É para desviar as atenções das responsabilidades do Governo ou concorda que é necessário examinar a actuação do BdP?
Acho que, em grande medida, serve para desviar as atenções, não apenas das responsabilidades do Governo, mas do fundamental do problema que é percebermos a importância de não perdermos mais este banco, conservando-o na propriedade pública alargando um pólo público bancário que tanta falta nos fez ao longo dos anos.

Tem dito que, na Europa, há três grandes problemas que o país enfrenta que se relacionam: a questão do euro, a da banca e a da dívida. Hoje, o PCP é o único partido a defender uma reestruturação da dívida?
Não sei se é o único. O PCP defende-o há vários anos. Temos vindo a seguir um ritmo de redução da dívida determinado pela UE em função dos interesses dos credores. Podia ter-se reduzido mais se tivéssemos tido uma política que apostasse no crescimento, na redução da dívida graças ao crescimento económico e não à custa do crescimento económico.

A Europa, como está a ser desenhada, a seu ver, não irá conduzir Portugal a mais prosperidade? É um obstáculo?
Isso é uma evidência. Não é matéria de opinião, mas de facto. Tivemos em 2017 um crescimento económico de 2,8%, que quase pareceu razoável depois de uma recessão de seis anos e de uma perda de riqueza brutal. Logo no ano a seguir, temos 2,1%. As perspectivas da CE para 2019 apontam para 1,7%. Isto não é outra coisa que não o regresso ao crescimento médio dos anos do euro. Ora, “um vírgula qualquer coisa” é comprometer claramente as possibilidades de desenvolvimento do país.

Sente a Europa como um obstáculo ao desenvolvimento?
A Europa, não, a União Europeia, sim. As regras da UE e os seus constrangimentos estão claramente a comprometer o pleno aproveitamento das potencialidades nacionais. Portugal vive muito abaixo das suas potencialidades e das possibilidades do país.

Defender acabar com a UE?
Não, pensamos que é possível construir na Europa um outro projecto de cooperação entre Estados diferente da UE. A UE não foi o primeiro projecto de integração de Estados na Europa e muito provavelmente não será o último.

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