Por favor, não responsabilizem o mexilhão
1. O comentário responsável, compreensivelmente, privilegia a estabilidade das Instituições e procura não alarmar os potenciais lesados, um dizer sem dizer que procura não precipitar desfechos que a todos afunde. Uma pescadinha de rabo na boca.
No Montepio, têm-se expressado os receios de que este venha a engrossar a factura do contribuinte e tardou a descortinar que foi o Banco a contaminar a Mutualista e não o contrário. Chega agora aos 600.000 mutualistas - o mexilhão do Montepio – na estupefacção do “misterioso voto dos associados (que) serve de legitimação a quase tudo”, no dizer de Ricardo Costa e de outros, com implícita responsabilidade na escolha das linhas com que o Montepio se tem vindo a coser.
Esta estupefacção e responsabilização tem ocorrido a propósito da condenação, pelo Banco Portugal, de Tomás Correia (TC) e seus pares, por “práticas de quem sabe o que fazer para não ser apanhado” na gestão do Banco, fórmula feliz e polida de Pedro Santos Guerreiro reportar-se à populis trafulhice.
Não há mistério. Há confusão entre causas e efeitos. As trafulhices identificadas no Banco não pararam à porta da gestão da Mutualista nem, principalmente, nas eleições dos seus corpos sociais.
2. A chegada de TC à presidência do Montepio, em 2008, mais que uma renovação de liderança, foi a subversão do projecto fundacional da Instituição, e da relação entre o Banco e a Mutualista, reduzida à reconversão de depósitos bancários em fundos mutualistas para alimentar as necessidades de capital do Banco. O “mutualismo previdente” de protecção familiar e da velhice, deu lugar ao “mutualismo bancário” com a criação dos produtos de capitalização pura.
A partir dos anos noventa, mais de um milhão de portugueses - 800 mil já neste século – foram aliciados a associarem-se na honorável e longeva Mutualista, pináculo do grupo que movimenta 20 mil milhões de euros.
O aliciamento explorou propósitos comezinhos e prosaicos, longe do ideário mutualista: uns pozinhos de rendimento a mais nos depósitos “mutualistas”; menos comissões bancárias; descontos na Repsol … e mais de 100.000 crianças e jovens a quem os pais ou avós pagam as quotas.
O “género humano mutualista” e o “Germano mutualista” não se cruzam para transformar o cliente em associado interessado e participativo.
Faz número. É um argumento político e de “marketing”. E chega.
3. O acto eleitoral do Montepio foi concebido na tradição de lista única a eleger em urna por meia dúzia de votos, tradição que foi quebrada, em 2003, pelo aparecimento de uma lista desafiante. O sistema perdura até aos nossos dias porque TC e Vítor Melícias impediram que fosse alterado, em 2008, quando meteram na gaveta o projecto de novos estatutos apresentado pela comissão eleita em AG.
O processo eleitoral é trafulha, gerido exclusivamente pela candidatura dos dirigentes em exercício, e desigual, por usarem os meios da organização na sua campanha. A quase totalidade da votação é por correspondência (98%), num processo em que a autenticação do votante é grotesco e sem fiabilidade - o voto legítimo é desconsiderado e o falsificado aceite –, e os 8% de anomalias oficiais desacreditam, igualmente, o processo e o resultado final. Uma vergonha.
Nas eleições da Mutualista joga-se o poder do pináculo de 20 mil milhões. É um jogo antecipadamente ganho na secretaria, onde os adversários da equipa doméstica jogam de venda nos olhos, de pés e mãos atadas, e os árbitros alinham na equipa da casa. E, mesmo assim, já são maioria, o que reflecte a crescente mobilização dos mutualistas interessados, fruto do trabalho de esclarecimento dos media.
4 – Desde 2005, Vieira da Silva (VS) é o ministro tutelar mais anos responsável pela protecção e defesa da Mutualista, mas procura agora sacudir a água do capote do seu afundamento para socorrer o banco, fazendo-se desentendido – quem? eu? o quê? não sei nada! não é comigo.
A desfaçatez como teoriza a exclusão de responsabilidade “financeira” e de avaliação de idoneidade dos dirigentes, da tutela que o seu ministério exerce há 100 anos, enchem-nos de perplexidade e levantam a questão: uma Associação que, durante anos, “vende” produtos autorizados pelo seu ministério a um milhão de portugueses, através de uma rede que chegou a contar 500 balcões e a angariar 5 mil milhões; sólida durante 160 anos fica de pantanas em 10, a responsabilidade é de quem? Do mexilhão?
A solução(?) “Plano de Transformação a 12 anos”, tropeçou logo no primeiro passo da idoneidade. Claro que a Mutualista precisa de tempo para corrigir a deriva que as suas barbas consentiram, uma verdade de monsieur de la palice. Não pode é servir para o espertalhaço: “o último a sair apaga a luz”.
Tardam a auditoria à gestão da Mutualista e a garantia do Governo de que os mutualistas não serão lesados.
O Estado tem as mãos manchadas na Mutualista e não pode, agora, pura e simplesmente lavá-las como Pilatos.
Por favor, não responsabilizem o mexilhão.