Desde há 500 anos que há portugueses em todos os cantos do mundo. Ao longo de séculos espalharam pela Terra invenções e maneiras de fazer, como a introdução das armas de fogo no Japão, a tempura, o casamento interracial, o português e o fellatio e cunnilingus em todo o hemisfério sul. Anteciparam a Amazon, comercializando na primeira rede global o chá, batata, milho, tabaco, açúcar, cacau, café, madeira, especiarias e escravos. Forneceram durante séculos as menageries de toda a Europa com todo o tipo de animais exóticos, desde papagaios a elefantes. Há o Oliveira da Figueira no Tintin e há sempre um nome português que aparece nos créditos dos filmes de Hollywood. Há o Rui Patrício na festa do Shah Reza Pahlavi em 1971. Há o José Neves da Farfetch, há o António Guterres na ONU, o Victor Constâncio no Banco Central Europeu, e no futebol, Portugal é uma potência mundial...
Mas há um mundo onde não há portugueses que é o mundo da arte contemporânea blue chip. Nas várias listas dos Power 100 de 2018 há apenas uma nova entrada de um português na ArtReview em nº51: Manuel Borja-Villel & João Fernandes do Reina Sofia. Por ordem, galeristas, directores de museus, coleccionadores e artistas americanos, ingleses, alemães, suíços, chineses e franceses (mais alguns russos e coleccionadores da América Latina), ditam e dominam o que é a arte contemporânea no planeta. O Berardo e o Rendeiro já estiveram na Power 100, mas há muito que saíram e não voltam...
Neste mundo de jatinhos (com dizem amorosamente no Brasil) e iates forrados de Picassos, Rothkos e Bacons, é imperativo que estes veículos e tripulações estejam prontos para que todo este povo possa aterrar e atracar antes da pré-inauguração da Bienal de Veneza no próximo dia 8 de Maio e a seguir rumar para as festas em Hydra, Antiparos, Formentera, Ibiza ou Mónaco. A quantidade de festas em Veneza é exponencial e é essencial ter um party curator para escolher as mais exclusivas: onde são, como se chega lá (e volta) e como se entra, seja a da Barbara Gladstone no Lido, no iate da família Missoni, no iate do Roman Abramovich ou no Symphony de Bernard Arnault...
Num “imprevisto inesperado”, como dizia Henry Miller, fiquei amigo da que foi considerada em 2018 a segunda mulher mais influente da Suíça. A Michelle é amiga desde os 15 anos do astro-curator mais influente do mundo da arte, Hans Ulrich Obrist (que tem dois assistentes a trabalhar para ele enquanto dorme). Foi ela que o convenceu a tirar o hífen entre Hans e Ulrich e está relacionada com a super-elite do mundo da arte, moda, luxo, design e arquitetura. Nos últimos 15 anos, a Michelle tem-me levado a festas, jantares e inaugurações, onde verifico, com perplexidade, que não há outros portugueses para além dos barmen e valets...
A temporada transalpina começa no mês de Fevereiro em Gstaad com Elevation 1049 da Luma Fondation e as Engadin Art Talks. A Art Basel começa 4 dias antes da abertura ao público dia 13 de Junho. Há o Zurich ArtWeekend dias 8 e 9: uma interminável sucessão de jantares, inaugurações e festas em casas de galeristas e coleccionadores com nomes de coisas como Hoffmann-La Roche, Sandoz ou Swarovski. Nos dias 10 e 11 acontecem os Private Days da Art Basel (só por convite) e centenas de jactos privados forram a pista do aeroporto de Basel. Não sei como se obtém um VIP Card mas sou apresentado nesses dias a inúmeras pessoas que presumo que sejam milionários e bebo champanhe. Muito: as melhores marcas estão presentes em todas as esquinas da Messe Basel em glamorosas mesas com milhares de copos militarmente alinhados. Ahh! Ali, naquele canto uma garrafa de Chateau d’Yquem 1976 de 20 litros a ser aberta, OMG!?... O dia 11 começa às 11 horas com um Champagne Breakfast... Nunca consigo chegar a esse pequeno almoço em Basel porque fico em Zurique. É um ritmo que exige muita dedicação, profissionalismo, fígado e recursos.
Na lista dos 50 mais ricos de Portugal (com apenas 4 bilionários) não há nenhum que esteja presente no mundo onde os super-ricos de todo o mundo gostam e querem estar que é o mundo da arte contemporânea... Aparentemente os portugueses ricos não viram, não conhecem e não sabem que existe. Basta entrar nas suas deprimentes casas e olhar embaraçosamente para as paredes (sem passar pelas garagens). Um dos mais ricos mostrou-me orgulhosamente em sua casa desenhos emoldurados feitos pela sua cadela!…WTF!
A iliteracia visual e artística da classe política e elites em Portugal é um drama com 500 anos sem resolução nos próximos 500. Quando acontece algum brilho é intermitente e muito variável historicamente - por educação, fortuna, casamento, extravagância, oportunidade ou mesmo um imprevisto inesperado. Como aconteceu com Carvalhido, Burnay, Gulbenkian ou São Schlumberger.
Roland Barthes admite implicitamente em Système de la mode (1967) que o luxo é um produto de primeira necessidade! Mas vale a pena explicar pedagogicamente esta doutrina aos milionários portugueses cujas fortunas correspondem precisamente às coisas que os portugueses consomem ou querem ter?