Esta casa não é um móvel do IKEA, mas também é fácil de montar
Os manuais de instruções da marca de mobiliário sueco são conhecidos pela simplicidade e eficácia das indicações. O arquitecto português Tiago do Vale pensou em aplicar essa técnica à projecção e construção de um edifício no Brasil.
Montar uma estante do IKEA é simples. Retiram-se as peças das caixas, preparam-se as ferramentas e basta seguir as instruções. E se construir casas fosse igual? No Nordeste do Brasil, Tiago do Vale desenhou um manual e prepara-se para montar a Ånguera, passo a passo, com as várias peças que a região oferece.
Em conversa telefónica com o P3, o arquitecto português de 40 anos, autor do premiado projecto Espigueiro-Pombal do Cruzeiro, fala de uma necessidade do local. Antes de iniciar o projecto, a equipa começou inicialmente por “compreender as circunstâncias e condicionantes” em Anguera, cidade da região brasileira de Sertão: “Havia uma limitação muito grande em termos de materiais disponíveis, quer na quantidade, quer na variedade, e também uma mão-de-obra que não estava habituada a ler projectos de arquitectura”, descreve Tiago. Nos planos, as plantas e os cortes apresentam um “grau de detalhe” que acaba por ser “difícil de interpretar”.
Desse modo, o arquitecto procurou uma maneira “mais fácil de comunicar a leigos”, nomeadamente através da perspectiva. A criação deste “manual de instruções tipo IKEA” foi “um grande desafio” porque, neste caso, “rapidamente” percebeu que a comunicação iria dar forma a toda a concepção do projecto: “Tudo o que fizéssemos tinha que ser muito simples de explicar, tinha que ser executado em poucos passos, tinha que ser descrito em poucas páginas.” As ferramentas utilizadas, os métodos e as técnicas de construção estavam dependentes “da capacidade de representar de forma simples”. “Processo, projecto, comunicação tornaram-se tudo na mesma coisa.”
A interacção entre os recursos locais e os planos veiculados no manual ditou o carácter simples e pragmático do projecto Ånguera. “Havia uma motivação de construir de forma simples, mas os materiais disponíveis também sugerem uma construção simples.” Os blocos de cimento ou o cobogó – tijolo ventilado muito comum no Brasil – serão os mais utilizados, também por questões de adaptação ao clima local: “A casa deverá ter uma baixa inércia térmica [pouca massa] para não acumular o calor que faz durante o dia e poder arrefecer rapidamente.” O “levantamento simples” de paredes de bloco sobre bloco, “meramente” pintadas e sem outro acabamento, e o traço geométrico da casa também marcam a simplicidade do projecto.
As instruções similares às utilizadas pela marca sueca acabaram por ser, assim, o “fio condutor” de toda a projecção. “Retirou-nos muitas dúvidas e hesitações, limitou muitas opções e acabou por simplificar o processo também”, diz o arquitecto. Sintetizar a informação, resumir um “processo complexo a um ou dois desenhos”, foi laborioso, mas Tiago acredita que poderá vir a ser útil noutros projectos, em circunstâncias semelhantes. “Com uma mão-de-obra menos habituada a ler projectos de arquitectura, onde haja limitações na quantidade ou variedade de materiais, uma abordagem de comunicação deste tipo simplifica todo o desenvolvimento da obra.”
A casa, a construir em Anguera, deverá estar pronta em 2020. O edifício irá aproveitar grande parte da estrutura de uma construção preexistente. O piso térreo será aproveitado para comércio, enquanto o primeiro andar, que terá três quartos, se destina a habitação.