Ponto Lilás, a tua zona segura nesta Queima das Fitas
Os ambientes académicos promovem uma cultura onde o excesso é a a norma e a objectificação do corpo feminino e a degradação da sua sexualidade persistem enquanto conteúdos de comunicação presentes tanto na publicidade como nos cânticos de praxe.
Os ambientes de lazer nocturno são contextos que criam oportunidades de diversão, socialização e procura de experiências prazerosas, sendo, por esse motivo, altamente valorizados por quem os frequenta. São também contextos que acarretam vários riscos relacionados com o consumo excessivo de álcool e/ou outras substâncias psicoactivas, pelas próprias características dos ambientes e das infra-estruturas ou zonas por onde o lazer nocturno se ramifica e por normas sociais que condicionam a forma como avaliamos o comportamento das diferentes pessoas que saem à noite.
As desigualdades estruturais de género emergem e configuram-se naturalmente nestes ambientes, influenciando as expectativas e o comportamento das pessoas consoante o género e implicando a emergência de riscos específicos que afectam de forma desproporcional as mulheres e são, principalmente, perpetrados por homens. O assédio sexual está naturalizado em ambientes de lazer nocturno, sendo por vezes promovido através do uso recorrente de conteúdos sexistas na divulgação de produtos e eventos. A intersecção entre a frequência de ambientes de lazer nocturno, o consumo de álcool e/ou outras drogas e as normas hegemónicas de género promove uma atmosfera onde as mulheres são vistas como sexualmente disponíveis e acessíveis.
Nesta intersecção, a agência sexual é desvalorizada, sendo o seu consentimento para com determinado tipo de interacção sexual avaliado à luz da adopção de comportamentos prévios que são vistos como disruptivos para com os seus papéis de género. Por esse motivo, em casos de violência sexual, o comportamento das mulheres é escrutinado e moralizado, servindo, demasiadas vezes, como atenuante para o comportamento violento do agressor — a única pessoa responsável pela situação.
Os ambientes académicos não são excepção. Pelo contrário, promovem uma cultura onde o excesso é a norma e a objectificação do corpo feminino e a degradação da sua sexualidade persistem enquanto conteúdos de comunicação presentes tanto na publicidade de eventos como nos cânticos de praxe. Eventos académicos como a Queima das Fitas e as semanas académicas traduzem exactamente essa cultura de excesso. O consumo excessivo de álcool é fortemente incentivado, resultando em situações que colocam em risco a saúde e a segurança das pessoas que frequentam este evento. A violência sexual está também presente mas mantém-se invisível, quer porque o assédio sexual continua a ser trivializado quer porque reproduz uma cultura que desconsidera o consentimento, culpabiliza as vítimas e desmotiva as denúncias.
Para contrariar a cultura da violação que emerge em ambientes de lazer nocturno, este ano a Queima das Fitas do Porto vai acolher um Ponto Lilás: um dispositivo de proximidade que pretende sensibilizar para a igualdade de género, prevenir de situações de violência sexual, encaminhar e acompanhar vítimas deste tipo de violência em eventos de grande dimensão. Nesse sentido, irá disponibilizar vários materiais informativos e de sensibilização, brindes e apoio especializado nas áreas da violência sexual, género e consumo de substâncias psicoactivas, violência no namoro e outras violências de género.
O Ponto Lilás pretende também ser uma zona segura, onde as pessoas que se sintam inseguras, perseguidas, perdidas, com medo ou desconfortáveis possam procurar apoio e “abrigo”. Esta iniciativa é pioneira em Portugal mas já tem alguma disseminação em Espanha, onde diferentes colectivos implementam este tipo de resposta em festas populares, festivais de música electrónica e outros eventos. Em Portugal, o Ponto Lilás inspirou-se nestas experiências e oferece uma intervenção de proximidade que resulta da cooperação entre três projectos: Sexism Free Night, Uni+ — Programa de Prevenção da Violência no Namoro em Meio Universitário e EIR — Emancipação, igualdade e Recuperação, promovidos por quatro organizações, nomeadamente a Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa, a Associação Kosmicare, a Associação Plano i e a UMAR. Esta articulação tem resultado num processo de aprendizagem mútuo, construção de uma intervenção conjunta que, por esse motivo, se torna mais forte e consistente nos seus serviços, valências e abrangência. Através desta intervenção, será também possível perceber e informar as organizações de eventos de grande dimensão sobre o seu papel na promoção de ambientes de lazer noturno mais seguros e igualitários.
Após a intervenção na Queima das Fitas, o Ponto Lilás voltará ao “Queimódromo”, desta vez para intervir no festival NOS Primavera Sound, um festival bastante diferente do primeiro, tanto na oferta cultural como no tipo de público que o frequenta.
A montante, não conseguimos perceber o impacto que este serviço terá nos eventos em que se propõe intervir, também ainda não sabemos com que tipo de situações vamos lidar. Mas uma coisa é certa: sabemos porque motivo criamos o Ponto Lilás e que cultura queremos ajudar a promover. Acima de tudo, o Ponto Lilás existe para dar visibilidade e desnormalizar a cultura da violação que persiste em eventos de lazer noturno.