Corrupção em Portugal – conhecer melhor para controlar mais
A capacidade para controlar a fraude e a corrupção no nosso país será aquilo que os poderes instituídos quiserem que seja e que a força de cidadania dos portugueses for capaz de reclamar.
Pronto, na semana que passou repetiu-se uma vez mais o folhetim a que já estamos habituados relativamente à corrupção no nosso país.
- Um relatório internacional divulgado (Relatório de atividades de 2018 do GRECO).
- Notícias a arrasar Portugal por surgir muito mal referenciado em tal documento (o nosso país surge classificado como um dos que, entre os 49 comparados, menos medidas adotou para incrementar a ética e a conduta, e para promover mais transparência e prevenir os conflitos de interesses nas atividades dos parlamentares, dos juízes e dos magistrados).
- E as imediatas opiniões e comentários surgidas de vários quadrantes, umas mais a favor, outras menos. Umas a afirmar que nada é feito relativamente ao problema e que os frequentes casos e nomes mediatizados aí estão a sustentar essa verdade, de que o problema está totalmente descontrolado e a gestão do Estado e da Administração Pública se encontra refém de interesses obscuros. Outras, mais cautelosas e menos veementes, a recordar a existência de instâncias de controlo apropriadas que vão fazendo o seu trabalho e que, com mais ou menos meios e esforços, lá vão conseguindo alguns resultados, como também é evidenciado pelas notícias que se vão conhecendo de algumas acusações e até de condenações.
Enfim, uma espécie de blá blá blá do costume que, como numa feira, nos leva nesta espécie de “arrastão discursivo”, que nos vai deixando cada vez mais insensíveis e alheados relativamente ao problema.
Porém, na realidade, a corrupção afeta-nos igualmente a todos sem exceção! Trata-se de um problema que tem que ver connosco, com a nossa vida conjunta! Creio que ninguém tenha dúvidas disto, mas é sempre importante e necessário afirmá-lo e reafirmá-lo.
A corrupção significa, de entre muitas outras coisas, que, enquanto cidadãos, com os nossos impostos, estamos a pagar mais pelo funcionamento do Estado e das estruturas públicas que lhe dão forma e operacionalizam a sua ação, e a obter um desempenho dessas mesmas estruturas menos eficiente e sobretudo de menor qualidade. A corrupção encarece o serviço público e reduz a sua qualidade! É inquestionavelmente um problema de cidadania, uma questão de interesse coletivo!
Mas, interrogo-me, para lá desta constatação, de todo este “alarido”, que sabemos nós verdadeiramente da “nossa” corrupção? Sim, o que sabemos de concreto deste fenómeno para lá daquilo que os media nos trazem nesta espuma diária geradora de autênticos momentos de transe coletivo? Arrisco a afirmar que nada ou pouco mais que nada.
Porém, é evidente que o fenómeno não é só composto pelos casos mediatizados (e, ainda assim, desses casos sabemos apenas e só aquilo que os media nos querem ou fazem questão de mostrar). Para lá deles, existe todo um conjunto de outros casos que as estruturas de controlo – nomeadamente o Ministério Público, as polícias e os tribunais – conhecem e tratam. Estes não são mediaticamente interessantes por não envolverem nomes de políticos nem de destacadas figuras da vida social, mas não deixam por isso de ser casos de corrupção. E aquilo que se poderia conhecer sobre o lado mais concreto deste fenómeno só pode estar contido em todo este acervo de Inquéritos ou casos judiciais, como são designados.
Existe ainda o chamado lado oculto da corrupção, que corresponde às ocorrências que o sistema nunca vai conhecer, ou porque não suscitam suspeições, ou simplesmente porque não são denunciadas por aqueles que as conheçam.
Ainda assim, e para lá da dimensão oculta do fenómeno, é o sistema de justiça – e só ele! – que dispõe do melhor acervo de elementos informativos que possibilitam um conhecimento mais circunstanciado e detalhado deste problema. Simplesmente, por não estarem instituídos mecanismos ou critérios de análise e tratamento da informação que se encontra dispersa por todos esses casos, o sistema de justiça não oferece a si próprio, nem ao sistema de controlo no seu todo, a possibilidade de dispor do conhecimento desses traços mais pormenorizados do circunstancialismo das práticas de fraude e corrupção nas estruturas de gestão do Estado. Esses elementos, como é amplamente reconhecido pela academia, por organismos internacionais e por todos os que se dedicam ao estudo do fenómeno, seriam seguramente de grande utilidade para a redefinição ou estabelecimento de novas estratégias e metodologias potencialmente mais eficazes para controlar e prevenir o fenómeno.
O Observatório de Economia e Gestão de Fraude tem chamado à atenção precisamente para esta necessidade e tem-se mostrado disponível para colaborar na sua concretização. Apresentou inclusivamente no ano passado um projeto no âmbito do Orçamento Participativo Portugal, a que deu o título Mapear a corrupção em Portugal, e no qual propunha e disponibilizava para contribuir para o estudo de elementos como: tipologias e frequências de crime ocorridos; tipologias de entidades e de funções onde ocorrem; fragilidades organizacionais associadas às ocorrências; tipologias de hierarquia e de funções associadas às ações ocorridas; género, idade, habilitações literárias, índice salarial e experiência nas funções das pessoas envolvidas nesses atos; tipologia e valor dos danos provocados pelas ocorrências; forma de início das investigações e sua eficácia no desenvolvimento das mesmas; meios de prova utilizados nas investigações e sua eficácia; decisões finais em cada uma das fases processuais e correspondentes elementos objetivos de fundamentação; tempo médio de decurso das diversas fases processuais, entre outras.
No Observatório de Economia e Gestão de Fraude estamos certos que o conhecimento destes e doutros elementos mais pormenorizados a partir de todos os casos de fraude e corrupção conhecidos e trabalhados pelo sistema de justiça possibilitaria uma perceção seguramente mais rica e obetiva sobre o fenómeno, incluindo sobre o esforço e eficácia da ação do próprio sistema de reação e controlo.
O projeto em causa acabou por ser rejeitado com a fundamentação de “configurar pedidos de apoio ou venda de serviços, designadamente por estarem protegidas por direitos de propriedade intelectual”.
A capacidade para controlar a fraude e a corrupção no nosso país será aquilo que os poderes instituídos quiserem que seja e que a força de cidadania dos portugueses for capaz de reclamar.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico