A guerra está ganha
A batalha de Campolide é uma estrondosa derrota do lobby dos apparatchiks partidários e dos burocratas tecnocratas autárquicos.
Na batalha do estacionamento no passeio, os peões já ganharam. Não parece, porque há um presidente de junta a reclamar vitória pírrica numa singela batalha.
Vamos aos factos: a Câmara Municipal de Lisboa (CML) decidiu que o estacionamento pago deve alargar-se à totalidade do espaço público rodoviário da cidade de Lisboa, e isso até ao final do presente ano. A CML decidiu que a EMEL, a “sua” empresa municipal, pública, se iria encarregar da empreitada. Mas, prevendo que os moradores dos bairros que ainda não pagam estacionamento se iriam zangar (porque o espaço público rodoviário urbano é um bem raro, e portanto caro), a CML, por ordem do seu presidente, Medina, lavou colectivamente as mãos. Que, reconheçamos, estavam muito sujas, de 30 anos de desleixo e populismo. Não esquecer que foi a CML que nos anos 90, por ordem do seu então presidente Sampaio, espalhou o cancro do estacionamento nos passeios. Pilatos não faria melhor.
A CML mandou a EMEL agir, mas deu às presidências de junta a liberdade para “interpretar”. E um presidente de junta, a de Campolide, “interpretou”. Confeccionou uma vontade popular de fregueses que reclamava contra a perda de lugares de estacionamento não domesticado e avançou com a solução que lhe pareceu óbvia: criar estacionamento em cima do passeio.
Se a coisa tivesse acontecido há 30 anos (vá lá, 20 anos), ninguém acharia mal. Ao fim e ao cabo, ninguém pagava o estacionamento, e ninguém reclamava contra a iniquidade de atirar peões para a rua. Mas a coisa passou-se agora. E agora há redes sociais. Há peões que já não são servos da gleba submissos à classe aristocrática dos condutores. Há estrangeiros que vieram de Lyon e Bordéus para viver em Campolide. Há um ar de “globalização in” em Lisboa. Há, eventualmente, um pouco mais de bom senso na população da cidade. E por isso a batalha de Campolide, ganha por momentos pelas forças de Lorde Ramsay Bolton, é na realidade uma estrondosa derrota do lobby dos apparatchiks partidários e dos burocratas tecnocratas autárquicos que abusam das supostas vontades populares de bairro, e dos sonhos fossilizados dos cretáceos do Automóvel Clube.
Estacionar em cima do passeio é manifestamente ilegal. Não há um artigo nem alínea de artigo cível ou penal que sugira o contrário. Não há regulamentos camarários que o autorizem. A CML não faz nada contra porque Pilatos Medina prefere ficar de mão lavada, a metê-la no vespeiro dos pequenos interesses bairristas.
Há 30 anos, uma rua lisboeta que não tivesse a sua dose de carros estacionados no passeio era um oásis de insanidade no deserto de gente sensata que nós éramos. Hoje, uma rua lisboeta onde uma junta de freguesia autoriza o estacionamento no passeio é um cancro insuportável na paisagem urbana e uma mão cheia de opróbrio atirada à novíssima imagem de cidade sustentável, acolhedora, turisticada, século vinte e um de vento-em-popa.
Por isso, do alto destes 30 anos de combate, vos dizemos, senhores presidentes de juntas de freguesias de Campolides & afins: estais do lado errado da história e se achais que autorizar estacionamento pago de carros no passeio vos vai granjear votos nas próximas eleições, estais mais redondamente enganados que um pneu furado. Até porque os franceses de Campolide já podem votar nas autárquicas portuguesas. Dirigentes da Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados