O calendário de apresentações de alta-costura deu vida à cidade de Paris nos últimos dias. Do Grand Palais ao Hôtel Salomon de Rothschild, as grandes maisons apresentaram as propostas de Outono/Inverno. Entretanto, pelas ruas desfilava Céline Dion com os seus conjuntos excêntricos e divertidos. Juntamos em baixo alguns dos destaques da semana.
"A pontinha da pirâmide da moda europeia” nas mãos de mulheres
Com a morte de Karl Lagerfeld, em Fevereiro, a direcção da Chanel passou para as mãos de uma mulher (Virginie Viard), pela primeira vez desde Coco Chanel. De repente, três das grandes maisons francesas (também a Christian Dior e a Givenchy) — “a pontinha da pirâmide da moda europeia”, como escreve o New York Times — são agora controladas por mulheres. “Pode não parecer muito, mas numa disciplina de contradição significa que o equilíbrio de poder de influência está nas suas mãos”.
Maria Grazia Chiuri, que marcou a sua entrada na Christian Dior com um rol de T-shirts com slogans feministas ("We Should All be Feminists"), apresentou uma colecção sóbria, em tons escuros, focando-se antes nas silhuetas, texturas e no conforto e utilidade das próprias peças. “Woman-friendly [favorável à mulher] é uma espécie de termo pejorativo na moda”, aponta a Vogue, mas “Chiuri propôs-se a elevar ou a resgatar o conceito com a sua colecção”. O desfile começou com uma provocação: “Are Clothes Modern?”, o título de um ensaio de Bernard Rudofsky e de uma subsequente exposição do MoMA. Ainda durante a semana, Chiuri foi premiada com o prestigiado Legion d’Honneur.
O Grand Palais, como sempre, viu-se transformado para o desfile da Chanel, desta vez numa enorme biblioteca. E se o cenário apontava para uma homenagem a Lagerfeld — assumido bibliófilo, que terá coleccionado mais de 250 mil livros — a colecção parecia indicar “uma nova era”, aponta o New York Times, mais “focada em quem veste as calças” — um elemento que esteve em abundância na colecção.
A “mulheranárquica”
Foi um desfile de fantasia. Clare Waight Keller, que está há dois anos à frente da Givenchy, soltou-se dos códigos convencionais da maison francesa e apresentou uma colecção marcada por um espírito aventureiro, com penas, plumas e franjas à mistura.
“Queria dar mais um passo para mim própria, empurrar-me na direcção de algo mais teatral”, explica a criadora à Women's Wear Daily. Assim, criou a visão de uma “mulher anárquica”, que passa por um chateau do século XVII ou XVIII e vai roubando bocados dos elementos decorativos — cortinados, quadros de parede, roupa de cama —, para criar as suas peças.
O desfile de Céline Dion pelas ruas de Paris
Há mais eventos a assinalar durante a semana da moda, além daquilo que se passa na passerelle. Veja-se, por exemplo, o desfile de Céline Dion pelas ruas de Paris. A cantora canadiana habituou-nos nos últimos anos a ansiar pelos conjuntos — ora extravagantes, ora provocadores, mas sempre com algum sentido de humor — que vai exibindo entre o hotel e os eventos aos quais vai.
O desfile emocional de Valentino
Em Janeiro, Pierpaolo Piccioli conseguiu levar lágrimas aos olhos dos convidados (incluindo Céline Dion), com a colecção de alta-costura inspirada numa reinterpretação de fotografias de Cecil Beaton de 1948, com mulheres negras. Mais uma vez, nesta estação propôs-se a demonstrar como a alta-costura pode estimular a diversidade, com uma explosão de cores e uma mistura de referências “folk”. “A única forma de dar vida à alta-costura hoje é abraçando as diferentes identidades e culturas”, afirmou o criador em antecipação do desfile.
Picciolié, que está ao leme da marca italiana há mais de uma década (nos primeiros oito anos, ao lado de Maria Grazia Chiuri e só mais recentemente a solo), tem vido a fomentar a imagem da grande figura actual da alta-costura. “Depois da morte de Karl Lagerfeld e com o John Galliano a fazer um fascinante trabalho experimental na Maison Margiela, Piccioli é o líder incontestável”, escreve a Woman's Wear Daily. A primeira fila no desfile de quarta-feira — com Gwyneth Paltrow, Céline Dion e Naomi Campbell — dizia tudo, segundo a Vogue: “Pierpaolo Piccioli é o criador de alta-costura que mais importa em 2019”.
“O público estava de pé antes sequer de Piccioli sair para agradecer com o staff do atelier. Quando o próprio Valentino [fundador da marca] começou a dar beijinhos de parabéns a todos, muitos dos editores, tipicamente apáticos, podiam ser vistos a limpar lágrimas”, descreve ainda a publicação.