Reviver os Verões passados…
Enquanto não houver uma Autoridade Florestal Nacional a funcionar efectivamente, a cooperar com as autarquias e em especial a cooperar com o Corpo de Bombeiros – enquanto isto não suceder vamos reviver, ano a ano, todos os Verões passados!
Chegaram os fogos florestais. Mais uma vez vão sair, tal como este, dezenas de comentários nos órgãos de comunicação social e nas denominadas redes sociais, e todas as causas e contornos das catastróficas situações serão escalpelizadas, as televisões vão apresentar as chamas feéricas que os “Neros” do país adoram rever todos os anos; e os dramas das pessoas, umas a chorar, outras numa desolada consternação, enchem as pantalhas das televisões.
Eu já tinha até garantido que não voltaria a tratar mais vez nenhuma dos incêndios e da política florestal; ainda desafiei alguns colegas com vasto currículo e muita sabedoria e experiência acumuladas para que se produzisse um documento conjunto que abordasse a matéria, mas a resposta foi a mesma – não vale a pena, não nos metemos mais no assunto. E que assunto? O de os ministérios da Agricultura e Florestas e do Ambiente precisarem de uma vassourada que atirasse de vez para os armários os esqueletos dos dinossáurios que continuam por lá a pulular – dinossáurios não pela idade mas desgarrados por uma cegueira política desfasada da realidade e condenada a continuar a arrastar o país para o despovoamento de dois terços do território. Não acreditam? Infelizmente iremos todos confirmar, ano após ano.
Vão ficar por aflorar questões como a ausência de uma estratégia para novas culturas e formas de cultivar para as alterações climáticas que as Direcções Regionais, semiparalisadas, deixaram de fazer, a penúria dos meios da investigação agrícola e florestal apesar do mérito de tantos investigadores, etc., etc.
Mas mais uma vez, não resisto em vir abordar as tragédias sazonais dos incêndios.
Há muitas causas que são expostas todos os dias sobre a proliferação dos incêndios rurais, mas ninguém quer falar na causa primeva: a extinção dos Serviços Florestais (SF), o erro criminoso que foi ter em 2006 enviado os guardas florestais para a GNR e assim dar o primeiro passo para desmontar a estrutura florestal, a inexplicável coincidência (será apenas isso?...) de tanto os governos de esquerda como os de direita fazerem o mesmo jogo da expansão das matas intensivas para a celulose e não quererem quem o atrapalhe…
A instituição do aborto chamado ICNF – que nem é capaz de servir como sede da “nova” política florestal nem de servir a Política de Conservação que só um Ministério do Ambiente que fosse mesmo ambientalista deveria prosseguir neste século XXI – não passou da concretização de uma decisão já tentada anteriormente para silenciar de vez as veleidades de quem pensar em política florestal e em política ambiental como políticas independentes, nacionais e não repartidas pela suposta descentralização que serve para muita coisa, certamente, mas não para organizar o território como um todo em termos de recursos naturais.
Os SF sofriam de gigantismo central e de vários problemas que justificavam uma reforma do organismo em termos funcionais para esta época – mas não pura e simplesmente acabar com eles. Se os portugueses quiserem que, de uma vez por todas, se organize a vida do território em termos de perenidade dos recursos naturais e segurança das populações, então o povo português tem que exigir que se comece pelo principio: reorganizar uma Autoridade Florestal Nacional, que disponha de uma quadrícula de administrações regionais e de casas e postos de guardas que residam no espaço florestal, que contactem ao longo do ano com as populações e delas façam parte, etc., etc. É uma cartilha que me custa ter de voltar a repetir.
É uma panaceia? Não, mas é o primeiro passo para a reforma efectiva da realidade florestal portuguesa.
Apresentei então uma proposta de trabalho, que não passa disso mesmo. Mas poderia dar o arranque; colocando a sede dos SF no interior (Viseu, p.ex.) e três circunscrições e umas tantas administrações, que podem ser essas ou outras que um estudo aprofundado venha a revelar, e não faltam conhecimentos suficientes nas universidades portuguesas para pegarem nessa tarefa e a apresentarem – uma solução que seja pouco onerosa, flexível, mas onde se restabeleça a hierarquia de conhecimentos e de autoridade entre os dirigentes florestais regionais e locais e os guardas, cujo efectivo só um estudo aprofundado dirá qual será o necessário.
No estado a que Portugal está a chegar em termos florestais é preciso ter a visão e a coragem de perceber que está na hora – já passa da hora! – para ter um organismo nacional, com implantação regional e local, com técnicos florestais capazes, que planeie a rearborização do país sem ligações espúrias aos interesses das celuloses, programando as espécies de acordo com as condições eco-edafo-climáticas, ordenando o território com acessos florestais, que volte a instalar uma quadrícula de casas de guardas florestais que hoje serão muitas menos que há 40 anos atrás.
Enquanto não houver uma Autoridade Florestal Nacional a funcionar efectivamente, a cooperar com as autarquias e em especial a cooperar com o Corpo de Bombeiros com quem visceralmente sempre existiu uma forte ligação – enquanto isto não suceder vamos reviver, ano a ano, todos os Verões passados!