O quadro (des)colorido da escola

Porque motivo uma mudança de paradigma na educação terá que conduzir à privatização do sistema educativo?

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Daniel Rocha

É irónico que em Portugal quando se escreve algo sobre um paradigma ou modelo venha sempre alguém na defesa de uma “classe”. É irónico e estranho. No caso da educação, mais concretamente a educação escolar, há sempre alguém que vem defender “os professores” e justificar a falta de recursos nas escolas, a ausência de condições na sala de aula, o pouco investimento dos diferentes governos na educação e até as escolas com contrato de associação reaparecem para justificar não se percebe bem o quê — e surge também uma conspiração que ameaça o ensino público. Assim o fez João André Costa no P3, numa crónica intitulada O quadro branco, e interactivo, da escola, e que parece ter a pretensão de afirmar uma posição relativamente ao que escrevi numa outra crónica, também no P3, O quadro negro da escola.

Posto isto, é necessário clarificar algumas questões:
1) quando me refiro à necessidade de uma mudança de paradigma ou modelo — como preferirem —, está implícito que as mudanças têm que acontecer a vários níveis, político, institucional e, certamente, por parte de todos os agentes escolares envolvidos (assistentes operacionais, professores, técnicos especializados e outros);
2) porque motivo uma mudança de paradigma na educação terá que conduzir à privatização do sistema educativo? Não encontro qualquer motivo para tal associação; pelo contrário, considero absolutamente necessário um sistema educativo público devidamente reforçado com os meios humanos e materiais necessários, além de uma reflexão profunda acerca das mudanças organizacionais e curriculares que devem ser levadas a cabo. E, nesse sentido, muito recentemente, a Direcção-Geral da Educação iniciou um projecto piloto com o intuito de introduzir a autonomia e flexibilidade curricular em algumas escolas;
3) apesar de todas as dificuldades que as escolas públicas enfrentam em Portugal, a Escola da Ponte não se ficou a queixar dos materiais, das instalações e dos trovões que assustam os mais sensíveis. O professor José Pacheco não se contentou e transformou uma escola na Vila das Aves/São Tomé de Negrelos, Santo Tirso, numa escola pública cujo paradigma contraria a norma. A este respeito escreveu Ruben Alves um livro cujo título é o seguinte: A Escola com que Sempre Sonhei sem Imaginar que Pudesse Existir.

Bem, o quadro até pode mudar de cor; pode ser negro, branco ou às riscas, que não será nem pela cor nem pela presença do quadro que as aulas serão mais ou menos inovadoras. E estou certo que entre muitos dos professores que o João sugere que sejam reformados devem estar muitos com muito para oferecer — e certamente com muito para inspirar, assim como existirão entre os professores mais jovens excelentes profissionais, dedicados e criativos, e uns tantos que não fazem jus à sua profissão. Mas é assim em todas as profissões, não é verdade? É por isso que esta defesa de uma classe por alguém que se autoproclama o porta-voz tem muito que se lhe diga, principalmente quando se defende a si e à sua classe por ataque algum que tenha sido feito.

Por fim, talvez o João tenha interpretado o que escrevi da forma que achou mais conveniente e a esse respeito nada posso fazer. Gostaria, contudo, de colocar aqui a nota que faz parte do final da crónica da minha autoria, e conta assim:

“Nota: há 20 anos tive um professor de Introdução ao Desenvolvimento Económico e Social, no 12.º ano, que informou os estudantes que as aulas se desenvolveriam através de notícias da actualidade, ou assuntos, que fossem pertinentes para aquela disciplina, e que a partir daí se geraria um debate por forma a que se fizesse a ligação com os conteúdos programáticos. Este modelo encontrou entusiasmos em cerca de três dos 23 estudantes, e os debates também eram participados por um número reduzido de estudantes. Foi apresentada uma queixa na direcção da escola por uma parte substancial dos estudantes da turma com a justificação de que o professor em causa não estava a seguir o manual da disciplina, nem a preparar os estudantes para os exames nacionais”.

A minha mãe dizia frequentemente, quando eu e o meu irmão éramos crianças: “Os meus filhos até podem andar com a roupa rasgada, mas andam sempre limpinhos.”

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