Protestos a exigir demissão do Governo endurecem no Líbano
Manifestantes queimam pneus e bloqueiam estradas. “O regime é totalmente corrupto”, ouve-se nas ruas de Beirute. Economia à beira do abismo.
Milhares de manifestantes bloquearam estradas e queimaram pneus em todo o Líbano, no segundo dia de protestos para exigir a saída do poder da elite que acusam de ter saqueado o país ao ponto de a economia ter colapsado.
Os protestos nacionais, os maiores no Líbano em muitos anos, levaram para a rua cidadãos de todos os quadrantes políticos e sociais.
“Estamos nas ruas porque não podemos suportar mais esta situação. Este regime é totalmente corrupto”, disse Fadi Issa, de 51 anos, que marcha com o filho em Beirute. “São todos ladrões, vão para o governo para encher os bolsos, não para servir o país”.
“Não queremos apenas uma demissão. Queremos que sejam responsabilizados. Devem devolver tudo o que roubaram ao Estado. Queremos mudanças”, acrescentou.
Esta vaga de protestos coincide com os avisos de economistas, de investidores e de agência de rating de que a endividada economia libanesa e o corrupto sistema financeiro estão mais perto do abismo do que nos anos da guerra da década de 1980.
Os aliados políticos têm pressionado o primeiro-ministro Saad al-Hariri a aplicar as reformas há muito prometidas mas nunca concretizadas devido à pressão dos interesses instituídos, a começar por uma revisão dos activos do Estado.
Um vídeo que circula nas redes sociais mostra os manifestantes na região montanhosa de Shouf a queimar uma fotografia do Presidente Michel Aoun e a gritarem em coro: “Sai daí e vai-te embora”. Por todo o país, ouvem-se palavras de ordem contra os governantes como Hariri e o presidente do Parlamento, Nabih Berri.
Em Beirute, o protesto concentrou-se em frente à sede do Governo, no centro da capital. Na quinta-feira, os manifestantes forçaram a equipa de Hariri a recuar na aplicação de um novo imposto às chamadas no WhatsApp. A polícia disparou gás lacrimogéneo e, durante a noite, houve confrontos.
Nesta sexta-feira, a população bloqueou estradas de Norte a Sul do país e em Beirute. As escolas e o comércio estão fechados. “As pessoas querem a queda do regime”, ouvia-se em frente da sede do Governo.
A instabilidade levou Hariri a cancelar a reunião do Governo que, nesta sexta-feira, ia discutir o orçamento para 2020. O primeiro-ministro anunciou que ia fazer um discurso.
No centro de Beirute, na tarde desta sexta-feira, havia zonas com o pavimento a fumegar e muitos vidros das montras partidas na véspera. Painéis publicitários estavam derrubados.
Fatima, uma dentista, disse: “Estamos a protestar contra os políticos, para os forçar a devolver o dinheiro que roubaram e pô-lo ao serviço do povo. Se não fosse esta corrupção não havia crise económica”.
Num país fracturado por linhas sectárias, o inédito alcance geográfico do protesto sublinha o profundo descontentamento dos libaneses. O Governo, que inclui quase todos os principais partidos do Líbano, não implementou reformas para resolver a crise.
“Vivemos há quase 30 anos com as mentiras deles. Eles estão sentados nos seus castelos às custas do povo”, disse Ali Kassem, um manifestante no subúrbio de Ouzai.
O político cristão Samir Geagea e a o líder druzo Walid Jumblatt, cujos partidos têm ministros na coligação governamental, pediram a demissão do Governo.
Procurando formas de aumentar as receitas, um ministro anunciou na quinta-feira o plano para criar uma taxa de 20 cêntimos por casa chamada feita através do protocolo na Internet (VoIP), usado por aplicações como o WhatsApp do Facebook. Mas à medida que o tom subia nos protestos, o responsável pela pasta das comunicações, Mohamed Choucair, abandonou a ideia.
Devastado pela guerra entre 1975 e 1990, o Líbano tem uma das maiores dívidas do mundo. O crescimento económico foi duramente atingido pelos conflitos regionais e pela instabilidade. O desemprego entre os que estão abaixo dos 35 anos é de 37%.
Os passos necessários para consertar as finanças nacionais são uma ilusão. O sectarismo dos políticos, muitos deles líderes de milícias do tempo da guerra civil, há muito que usam os recursos do Estado para proveito próprio e não querem ceder essa prerrogativa.
A crise adensou-se com o abrandamento da entrada de capitais no Líbano, que para suprir as necessidades financeiras, incluindo o défice do Estado, depende desde há muito das remessas enviadas pela sua diáspora.
Com Alaa Kanaan