Descarbonizar as cidades sim, mas com o turismo

As cidades precisam de uma taxa local para a descarbonização que as ajude no papel cada vez mais central de reduzir as emissões de CO2 do planeta.

Pelo menos uma dezena das principais cidades portuguesas e mais procuradas pelo turismo cobra hoje ou tenciona cobrar uma taxa a cada turista que nelas pernoite. Este conjunto de cidades portuguesas concentrou 58% dos 67 milhões de dormidas de turistas registadas em 2018 (INE), destacando-se Lisboa (13 milhões), Porto (4 milhões), Cascais (1,5 milhões) e Santa Cruz (1 milhão) entre as que aplicam esta taxa.

A medida é corrente entre as cidades e regiões que cresceram substancialmente como destinos turísticos, desde Barcelona a Timphu, e estima-se que cerca de 40 países tenham hoje vários modelos destas taxas. No início da década, quando a crise económica secou a capacidade de investimento público e as novas plataformas para alojamento turístico emergiram, as cidades precisaram de alternativas de financiamento e, ao mesmo tempo, de responder à pressão de investimento gerada pelo próprio crescimento do turismo, de modo a manterem-se atrativas. Vários municípios portugueses usaram desde então o direito de criação de taxas locais previsto no Regime Financeiro das Autarquias Locais para aplicar uma taxa turística.

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As taxas turísticas passaram a ser justificadas como compensação económica e financeira de um esforço direta ou indiretamente – às vezes muito indiretamente relacionado com a atividade turística, em novas infraestruturas, serviços ou compras. Exemplos: um novo terminal, recuperação de parte de um museu ou de um monumento, preservação do património cultural, aquisição de frota elétrica para limpeza urbana ou apoio a programas televisivos internacionais.

O turismo representa 6% do PIB português (INE, 2018) e 10% da economia mundial (UNWTO, 2016) e as previsões apontam para que continue a crescer a 4% ao ano até 2030, em média. Até são boas as perspetivas futuras para uma taxa que se alimenta da dinâmica deste setor importante para as economias locais e também nacionais. Mas o mundo mudou nestes últimos anos e o que hoje é pedido às cidades também.

Por altura das primeiras iniciativas municipais portuguesas, em Nova Iorque (2015) assinava-se os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, um dos quais para as cidades; ainda não havia Acordo de Paris (2015) com o compromisso da comunidade internacional de conter o aquecimento global do planeta abaixo de 2 graus Celsius; o IPCC (2018) não tinha estimativas do impacto do aquecimento global de 1,5 graus Celsius nem previa apenas um prazo de 12 anos para evitar uma catástrofe climática; nem tinha feito (2018) uma edição especial do seu relatório para decisores políticos locais; e o Roteiro Nacional para a Neutralidade Carbónica 2050 (2018), o português e os dos outros países, era uma miragem. Muitos compromissos nacionais nascidos do Acordo de Paris, segundo a UNWTO, reconheceram desde logo o setor do turismo como prioridade nas suas estratégias de mitigação e adaptação ou como setor vulnerável às alterações climáticas.

À medida que os anos passaram, cresceu o papel das cidades nesta urgência climática e o IPCC chamou claramente para a luta as responsáveis por 75% das emissões de carbono e 70% do consumo de energia, a nível global. As alterações climáticas impõem-se hoje como um dos maiores desafios globais e com a certeza de que a transformação, que significa a descarbonização da economia mundial, não se fará sem as cidades.

A adesão de Lisboa ao Grupo C40 de Grandes Cidades para a Liderança Climática e ao grupo que declarou emergência climática, bem como a sua eleição para Capital Verde 2020, focada nas alterações climáticas, mostra como o governo da principal cidade do país está a incorporar a responsabilidade de descarbonizar. Na altura da sua escolha como Capital Verde, o júri destacou como factos ter sido a primeira capital europeia a assinar o novo Pacto dos Autarcas para o Clima e a Energia, ter reduzido substancialmente as emissões de CO2, os consumos de energia e de água e ter uma visão clara para a mobilidade urbana sustentável.

O turismo não pode ficar à margem da descarbonização das cidades nem os instrumentos de política a ele associados, nomeadamente a taxa turística, que foi a resposta para um tempo que não é o de hoje. Convertê-la numa taxa local para a descarbonização, dando-lhe um novo âmbito e objetivos, concorrerá para o papel cada vez mais crucial atribuído às cidades.

Uma taxa local para a descarbonização cobrará ao turista um valor gerado diretamente pelo impacto que ele causa em termos de emissões de CO2 (que é a sua pegada carbónica) e destinado à sua mitigação. Medir esse impacto e dar-lhe um valor é o desafio de pensar a redução da pegada carbónica do turismo sem deixar de promover esta atividade económica.

A análise tradicional à importância do setor do turismo aponta mais facilmente os seus benefícios económicos e os custos relacionados com infraestruturas de transporte, comunicações, energia e água, ou os custos sociais, nomeadamente a gentrificação. A factura das emissões de CO2 é ainda limitada, resumindo-se muitas vezes à parte do transporte.

Contudo, as emissões de CO2 do turismo, a nível global, terão subido 15% entre 2009 e 2013, de 3,9 para 4,5 gigatoneladas de CO2 (Nature, 2018). Este valor é quatro vezes superior ao que se estimava previamente porque parte de uma análise, mais completa, à pegada do turismo no transporte, alimentação e consumo em geral.

Ao ter em conta o impacto mais real dos turistas que chegam em navio de cruzeiro, de avião ou de carro, uma taxa local para a descarbonização maximiza a capacidade deste setor financiar o seu próprio crescimento sustentável. E faz da nova responsabilidade das cidades o seu novo poder. E este é um bom motivo para lembrar que hoje se celebra o Dia Mundial das Cidades.

Os autores escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico 

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