Todos os anos morrem cerca de 500 pessoas em acidentes rodoviários. A nível mundial, os acidentes de viação são a principal causa de morte entre os 10 e os 19 anos. No entanto, a recomendação da Direcção-Geral da Saúde não é proibir as pessoas de locomoverem-se em veículos motorizados. É, sim, promover a adopção de medidas de protecção. Investir na educação e tornar obrigatório o uso do cinto de segurança nos carros e capacetes por motociclistas fez diminuir drasticamente o número de mortes na estrada nas últimas décadas. O mesmo deveria acontecer com as drogas.
As pessoas querem consumir drogas e fazem-no à revelia de qualquer cultura ou lei. Andrew Weil, um proeminente médico de Harvard, defende desde os anos 70 a ideia que a procura de estados de consciência é um desejo inato dos seres humanos, como o sexo ou a comida. As substâncias psicoactivas sempre acompanharam a cultura humana e actualmente o álcool e o tabaco são as duas drogas principais, sem fins terapêuticos, que se encontram reguladas. O facto de serem estas duas não se prende de serem as menos tóxicas, muito pelo contrário, mas isso é tema para outro artigo. O facto de estas substâncias serem reguladas permite que uma série de medidas diminuam os riscos associados ao seu consumo, por exemplo o controlo de qualidade na produção e distribuição, divisão em doses que facilita a autogestão do consumo ou informação nos rótulos.
Como qualquer outra actividade humana, o consumo de drogas implica riscos. A boa notícia é que os riscos podem ser diminuídos através de conhecimento e adopção de práticas desenhadas para os reduzir. Problemas que são fruto do consumo de drogas, incluindo overdoses, podem ser prevenidos. A maior parte dos danos relacionados com o consumo é consequência da falta do conhecimento do que se está a tomar — devido ao estatuto ilegal não existe controlo sanitário da composição e de como tomar (saber calcular e gerir as doses). Campanhas que promovem a abstenção do consumo através do “diz não às drogas” não funcionam, pois, entre muitas outras coisas, não influenciam a motivação das pessoas para alterar a sua consciência, de experimentar coisas novas ou assumir riscos.
Por exemplo, o ecstasy/MDMA é uma das substâncias mais consumidas pelos jovens portugueses. No último relatório do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), 5% dos jovens portugueses com 18 anos relataram que tinham consumido MDMA nos últimos 12 meses. Esta substância é um estimulante com efeitos empatogéneos (tem uma componente emocional que aumenta a empatia com os outros).
A quantidade de MDMA a circular na Europa aumentou e, para além disso, as pastilhas apresentam-se com doses excessivamente elevadas (por vezes, acima dos 300 miligramas, como já encontramos no serviço de análises/drug checking da Kosmicare). Através dos dados do Global Drug Survey, o maior questionário online sobre drogas do mundo, sabemos que em média os jovens reportam que consomem cerca de 300 mg ou 1,5 pastilhas de MDMA por noite — uma dose demasiado elevada, quando já se sabe que os estudos indicam que 150 mg é a dose apresenta menos riscos em contexto clínico.
Os efeitos do MDMA quando tomado oralmente fazem sentir-se após 45 a 60 minutos. Um problema das pastilhas produzidas no mercado ilegal é que a sua formulação é inconsistente. Isto leva a que algumas pastilhas demorem mais tempo a desagregarem no estômago e, consequentemente, os efeitos demoram mais a sentir-se. Após uma dose de 75-150 mg, os utilizadores referem que sentem o pico dos efeitos passado uma hora e meia e estes começam a dissipar-se 2 a 3 horas depois. E para que a festa continue, muitas pessoas voltam a tomar mais MDMA.
O facto de se tomarem doses sucessivas aumenta os riscos associados ao consumo. O MDMA é metabolizado principalmente no fígado e umas das particularidades é que um dos metabólitos (um dos componentes em que o MDMA é “transformado") inibe a capacidade do próprio fígado de metabolizar ("inactivar") esta substância. Assim, à medida que se aumentam as doses na mesma noite, pode-se estar a aumentar de forma desproporcional a quantidade de MDMA no sangue (em jargão científico, diz-se que o MDMA tem uma cinética não-linear). A toma sucessiva de doses de MDMA aumenta muito os riscos.
Ou seja, o que podemos dizer a alguém que vai tomar MDMA? Primeiro, ter a certeza que é mesmo MDMA e qual a dose no caso de uma pastilha. Usar um serviço de drug checking, em que é feita a análise química da substância, é uma das possibilidades (a Kosmicare tem este serviço gratuito no seu drop-in, em Lisboa). Principalmente, se for a primeira vez, definir uma dose baixa, nunca tomar sozinho, mas escolher bem a companhia. No caso de pastilhas, e principalmente se não tiveres um serviço de análises disponível, começar sempre por um quarto ou meia pastilha e aguardar uma hora até sentir efeitos. Não tomar mais 150 miligramas. Não tomar mais de 4 a 6 vezes por ano. Manter a hidratação e fazer pausas na dança.
A prevenção só é possível através de informação fidedigna, informação que as pessoas possam usar na prática para diminuir os riscos. Uma discussão séria e aberta sobre estes assuntos pode preparar os jovens para decisões informadas e para lidarem com as pressões dos pares. Aliás, há indicação que adolescentes que discutiram estes assuntos de forma não moralista com os progenitores têm menos índices de consumos de drogas.