Os recentes relatos de violência exercida sobre médicos deram origem à já conhecida onda de notícias em que se apresentam os números compilados em relatórios e se partilha o consenso de indignação e de apelo à justiça. Na minha opinião, se ficarmos apenas por aqui, tudo ficará na mesma até que novos casos surjam, criando um novo ciclo mediático.
Muitos adoptam uma postura cínica e fatalista aceitando como inevitável o clima bélico. Eu prefiro uma leitura mais optimista. Sem cair na utopia da ausência de risco, julgo que podemos e devemos minorar a probabilidade de novos eventos.
Quero acreditar que a maioria dos cidadãos que recorre às unidades de cuidados de saúde primários (que inclui, por exemplo, as Unidades de Saúde Familiar) respeita o secretário clínico, enfermeiro de família e médico de família. Não obstante, as equipas dos cuidados de saúde primários sentem uma crescente vulnerabilidade e insegurança.
Os casos de violência, seja ela física ou verbal, multiplicam-se e, mesmo quando os profissionais reportam os acontecimentos, a resposta é demasiado maquinal, distante e pouco eficaz. Terei eu todas as respostas e soluções neste texto? É claro que não, e nem é essa a minha pretensão. Mas deixo aqui algumas sugestões.
Em primeiro lugar, devemos escutar e apoiar as vítimas. Se existem locais em que a violência, os furtos e o vandalismo são a norma, então é importante perceber exactamente porquê e o que podemos mudar localmente.
É necessária uma maior atenção das estruturas que tutelam os profissionais de saúde que devem zelar pela sua segurança, aplicando meios concretos tais como, por exemplo, garantir (respeitando o enquadramento legal respectivo) segurança em presença física e videovigilância.
Outro aspecto relevante é a melhoria contínua da comunicação na consulta e na gestão de conflitos, pelo que deve ser disponibilizada formação contínua multiprofissional.
Finalizo este texto com as mudanças a longo prazo que são, bem sei, um verdadeiro desafio e que, realisticamente, só daqui a algumas gerações surtiriam efeito.
A nossa democracia carece de coesão social, o que só é possível com cidadãos informados dos seus direitos e também dos deveres a cumprir. Isso inclui respeitar as regras de funcionamento das nossas instituições (unidades de saúde incluídas) que cumprem, por sua vez, um conjunto de normas emanadas da lei. O exemplo mais paradigmático é a expectativa errada de que um atestado médico, por exemplo, é “só” passar um papel, como se este fosse um acto mecânico, garantido e imediato. Na verdade, a decisão de emitir, ou não, um documento desse tipo obedece a um raciocínio clínico que implica ponderação e responsabilidade e que, por vezes, pode não corresponder ao que se pretendia inicialmente.
Em resumo, e assumindo o pressuposto que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) é uma das maiores conquistas destas quatro décadas, precisamos não só de investimento nos meios, mas também de cuidar dos profissionais que são, nunca é demais realçar, pessoas e não números.
Se aplicarmos estas e outras medidas, talvez se consiga erguer um SNS mais inclusivo e seguro para todos.