A presença da tecnologia no mundo do desporto, enquanto ferramenta de auxílio no momento da tomada de decisão, tem avançado a diferentes velocidades nas várias modalidades. Se em algumas, como no ténis ou no râguebi, o recurso à tecnologia é algo que já está bastante enraizado, em outras, particularmente no futebol, as dores de adaptação ainda se fazem sentir e muito.
Mas apesar de todas as dificuldades, o passo inicial foi dado e a partir daí o debate deve estar centrado nas formas de melhorar a intervenção da videoarbitragem no jogo, e não em procurar descortinar se essa intervenção deve ou não existir. Dar esse passo atrás seria incompreensível, não só tendo em conta toda a pedagogia feita em torno do tema, procurando sensibilizar o adepto para a inevitável existência de erros durante a fase inicial de um processo de aprendizagem, mas também, e mais importante do que tudo o resto, tendo em consideração as melhorias efectivas no acerto das decisões dos árbitros.
Partindo então do princípio que o VAR vai manter a sua intervenção, algo que como vimos é não só coerente, como também necessário, interessa ponderar os termos dessa intervenção. E para iniciarmos esta ponderação, devemos ter algo como certo: o VAR nunca conseguirá eliminar totalmente o erro do jogo. E este ponto de partida é essencial, por duas razões: o erro não só faz parte do jogo, como é fundamental para as suas dinâmicas, porque sem ele o futebol tornar-se-ia numa autêntica pasmaceira disputada por tecnocratas, onde os vencedores seriam sempre aqueles que dispusessem dos melhores atributos de definição e execução; a outra razão relaciona-se com a necessária delimitação do âmbito de intervenção do VAR, porque se assumirmos aquele ponto de partida como verdadeiro, mais facilmente percebemos o porquê de a videoarbitragem apenas dever intervir nos casos em que existam erros clamorosos ou grosseiros.
Ciente das perturbações que as paragens constantes trazem ao jogo, e do quão perniciosas podem certas decisões ser para a própria natureza do jogo, o próprio protocolo de aplicação do VAR delimita a sua aplicação a esses casos de erros grosseiros. Contudo, não faltam exemplos em que esse requisito da evidência do erro é ignorado. Um deles, bem recente, ocorreu no jogo do campeonato inglês entre o Liverpool e os Wolves, onde o português Pedro Neto viu um golo ser-lhe anulado porque no início da jogada um companheiro seu tinha a ponta do pé em suposto fora-de-jogo. Decisões deste género, agarradas a uma pretensa verdade formal, vão contra a natureza do jogo e muitas vezes desvirtuam a “verdade” que se passa dentro das quatro linhas, que é a única verdade que verdadeiramente importa.
Atento a esta realidade dos foras-de-jogo milimétricos, caçados à lupa e com recurso a dezenas de ângulos diferentes, o IFAB (International Football Association Board) na pessoa do seu secretário-geral, Lukas Brud, veio dizer que deve prevalecer o bom senso nas avaliações do VAR, excluindo da sua intervenção situações de pormenor, não enquadráveis, portanto, naquela categoria dos erros grosseiros.
Resta agora saber se a recomendação será seguida, ou se, pelo contrário, a natureza do jogo continuará a ser posta em causa.